“Você é um homem ou um rato?”. A frase era usada quase que cotidianamente na casa do pai Roberto. Sempre fui um garoto pacífico, que corria de confusões e grandes desafios. E como os ratos sempre são os primeiros a abandonar o barco, era conhecido na família por ser o “medroso”. Quando contei que passaria quase dois dias num catamarã na Refeno, quase ninguém acreditou. Eu quase não acreditava. Foram 46 horas no mar, entre às 9h do sábado, quando entrei no Cabanga Iate Clube, até às 7h desta segunda (26/9), já em Fernando de Noronha, ao pegar um bote para ir pro hotel.
Foi a segunda experiência com jornalistas participando da travessia, que completou a sua 28ª edição em 2016, com 52 barcos e 389 tripulantes. Fui “marinheiro” da tripulação VôRai II, do comandante Roque. Éramos em sete pessoas: um jornalista pernambucano; um fotógrafo, um carioca, um médico e dois estudantes paulistas; um professor e um viajante baiano. Desses, apenas dois já tinham feito a travessia da Refeno. E todos trabalharam demais.
Logo de cara, um mundo de nomenclaturas novas: arribar, orçar, caçar, manicaca, cambar... nas primeiras horas, simplesmente estava perdido. Depois, a tensão de velejar, onde você se locomove apenas com a força do vento, traz muitos imprevistos. Antes mesmo da largada, uma manobra errada nos custou uma colisão com o catamarã Angelique II. No meio da travessia, os motores que geravam eletricidade pararam de funcionar, o que nos custou quase três horas em completo breu no mar. Por fim, uma troca de vela mal feita e o comandante, às 3h da matina, subindo mais de 20 metros no mastro principal para consertar o problema.
Na travessia, 46 horas são “matadas” de maneira diferente pelos tripulantes. Eu e o professor Inaldo preferimos ficar deitados a maior parte do tempo. Dormir mesmo é difícil: os cochilos geralmente não passam de uma hora. Já o estudante Gustavo, quando não estava sabatinando o comandante sobre velejar, gostava de estudar Anatomia. Afinal, tem prova em São Paulo no próximo sábado e não podia perder tempo.
Os meus dois principais objetivos na regata foram cumpridos: não enjoar e me alimentar bem. No meu caso, o mental foi mais forte que o físico. Quando o balançar do barco me desequilibrava, não deitava e me rendia a tontura: me levantava, ia comer ou buscar algo pra fazer no barco. Comi apenas frutas e pão ou torradas a maior parte do tempo. Já perto da chegada, fomos presenteados com pizza pelo médico Lafayette.
No fim, a inexperiente tripulação do VôHai 2 ficou na primeira posição na classe Catamarã B (20ª geral) e o segundo lugar na categoria Imprensa, com tempo de 37h14m30s. Foi a aventura mais radical da minha vida e agora, menos de 48 horas após terminá-la, ainda não sei se gostaria de repetir. Mas foi fundamental vivê-la!