“Dezenove horas. Um raio me pegou. Não posso controlar o barco. Estou sozinho no mar e sem nenhuma referência. Só um terço na mão esquerda. E ele me levará a Santos. Suzana e filhos, amo vocês do fundo do coração. Deus me ajude”. Esse texto é um trecho do diário de bordo do comandante Carlos Fernández Blanco, penúltimo lugar na Refeno, a regata Recife-Fernando de Noronha, na segunda-feira. No dia 10 de fevereiro, o argentino superou a morte após sua embarcação ser atingida por um raio a cerca de 50km de Santos (SP).
A chuva era tão forte que Carlos não conseguia ver a proa do barco. Ele saiu de Paranaguá (PR) às 4h da manhã. Mesmo com os prognósticos dizendo que a tormenta cessaria, cerca de 13h depois, um raio quebrou tudo. Fez um buraco de dois metros no teto do barco. Sem saber a sua posição e com os raios caindo, pegou o leme e ficou 36h velejando até chegar ao porto de Santos.
“A única coisa que restou, entre madeiras quebradas e vidros, foi um terço, que estava colado na base do mastro. Peguei ele com a mão direita e fiquei 36h ao leme sem direção, só me orientando pelas ondas. Cheguei no porto às 23h30 do dia seguinte”, disse.
Conhecido como o velejador solitário por fazer as travessias sem outros tripulantes, o argentino terminou a Refeno em 55h40m52s. Com isso, levará o troféu Tartaruga Marinha, por ser o penúltimo da regata.
“O que importa para mim é velejar e não chegar primeiro. Falei para todos que chegaria em último. Tenho o menor barco e velejo sozinho, dia e noite. O triunfo para mim é estar aqui. Quando abri a escotilha e vi essa paisagem fiquei muito emocionado”, ressaltou.
E as aventuras não param por aí. Velejando no barco Wisdom desde 2008, a missão agora é o velejar no Mar Mediterrâneo. “Desde fevereiro, quando o raio me bateu, nasci de novo. Antes, achava que tudo terminaria aos 60 anos. Não conseguia compreender isso, e comecei a pensar em outras coisas para fazer quando a vida que eu conhecia se acabasse. A maneira que encontrei foi pensando em aventuras. Depois daqui, chegou a hora de conhecer a Europa”, frisou o velejador de 65 anos, que tem quase 27 mil quilômetros percorridos no mar.