Ele é a maior autoridade do mundo quando o assunto é raiva humana. Foi o responsável pela primeira cura da doença no planeta, em 2004. Participou da elaboração do Protocolo do Recife, baseado no tratamento do pernambucano Marciano Menezes da Silva, primeiro registro de remissão na literatura médica brasileira. Roda o mundo para desbravar o ainda incerto e desafiador cenário da raiva humana. Do Japão, o médico americano Rodney Willoughby Junior concedeu entrevista por e-mail ao Jornal do Commercio. Foi através de mensagens eletrônicas, aliás, que ele tentou ajudar no tratamento do menino cearense de 9 anos que estava com a doença. A criança morreu na última segunda-feira. Diante de mais um óbito na conta da doença, Willoughby Junior, casado com uma pernambucana, ressaltou o que precisa ser feito para virar o jogo. Educação, segundo ele, é a palavra de ordem.
JORNAL DO COMMERCIO – Como foi a experiência do Protocolo de Milwaukee e em que ele se baseia?
RODNEY WILLOUGHBY JUNIOR – O vírus da raiva não destrói células e a inflamação é mínima. Por isso, o problema parece ser reversível. A morte é causada pelos reflexos autônomos severos decorrentes do cérebro agredido. O cérebro, contudo, pode ser preservado por meio de sedação. Sabemos também que a reposta imunológica é suficiente para erradicar o vírus dentro de 14 dias. O Protocolo de Milwaukee – assim como o Protocolo do Recife – tenta controlar a falta de autonomia com sedação profunda até chegar a reposta imunológica. É uma forma de anestesia. E anestesia é algo praticado todo dia no mundo inteiro. Não é alta ciência.
JC – Qual foi sua participação na elaboração do Protocolo do Recife? O senhor chegou a ajudar na cura do menino pernambucano Marciano Menezes da Silva?
WILLOUGHBY – Foi a equipe local, dirigida pelo médico Gustavo Trindade Henriques Filho, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, quem curou Marciano. Eles nos contataram apenas depois da sobrevivência de seu paciente. Eu participei da elaboração do Protocolo do Recife, mas o grupo integrava especialistas médicos, laboratoriais e de saúde pública do Brasil.
JC – O senhor mantém contato constante com médicos brasileiros para discutir o tema?
WILLOUGHBY – Sim, estou sempre em contato com médicos, com profissionais do Instituo Pasteur, de São Paulo, e com o Ministério da Saúde. É uma equipe multidisciplinar.
JC – O senhor chegou a auxiliar no tratamento deste menino de 9 anos, internado em Barbalha, no Ceará, que acabou falecendo na última segunda-feira. De que forma ocorreu esta ajuda?
WILLOUGHBY – Eu fiz vários comentários sobre o caso por e-mail, mas o maior esforço é por parte da equipe médica, neste caso o pessoal do Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo.
JC – Quanto mais cedo for feito o diagnóstico de raiva humana, maiores são as chances de cura?
WILLOUGHBY – Sim. A maior possibilidade de sobrevivência requer que o início do tratamento ocorra nos primeiros cinco dias de hospitalização.
JC – Que mensagem o senhor envia para que outras mortes por raiva humana possam ser evitadas?
WILLOUGHBY – É preciso notificar o médico logo depois da agressão por cão, gato ou qualquer animal selvagem, para que se possa iniciar o tratamento profilático (prevenção). É muito importante lavar a mordida ou o arranhão imediatamente com água e sabão, para depois receber imunoglobulina antirrábica e vacina contra a raiva humana. Nunca acontece falha de profilaxia quando ela é feita com urgência, dentro dos primeiros dias. Nos Estados Unidos, por exemplo, o recorde depois de 1975 é perfeito. Com a profilaxia bem praticada, a cura é de 100%.
JC – A letalidade nos casos de raiva humana é muito alta. Existe esperança de que no futuro o tratamento possa garantir uma chance maior de cura?
WILLOUGHBY – Até hoje, temos seis curas da raiva humana: Brasil, Colômbia, Peru, Catar e duas nos Estados Unidos. A letalidade já está em torno de 80%, melhor que os 100% anteriores. Antecipamos o progresso. Assim começou o tratamento para o câncer: primeiro com letalidade de 100%, depois de 80%, depois 50%, depois 20%... A medicina avança sempre. Mas precisamos enfatizar que muito mais importante que o tratamento é a prevenção. Por que existe a raiva humana se temos vacina antirrábica desenvolvida há mais de 100 anos? Respondo eu mesmo: por causa da ignorância e da pobreza. É preciso vacinar cães e gatos. É preciso evitar contato com animais selvagens. É preciso insistir na profilaxia completa, inclusive imunoglobulina antirrábica e vacina. Tudo isso é prática rotineira no Brasil. É preciso insistir.