Nordeste é afetado por ambiente polar

Pesquisas apontam conexões entre mudanças climáticas na Antártida e fenômenos naturais registrados no Brasil
Mona Lisa Dourado
Publicado em 23/01/2013 às 7:32
Foto: Marinha do Brasil/Divulgação


O que explica o aumento da temperatura do mar na costa do Nordeste nos últimos 40 anos? Como os organismos presentes em águas geladas podem servir de fontes de bioativos para novos fármacos, inclusive de combate à dengue? Em quais circunstâncias são originadas as frentes frias que provocam prejuízos às lavouras no sul do Brasil e chegam até a Amazônia? Que processos levaram ao depósito de hidrocarbonetos no litoral brasileiro como os encontrados no pré-sal? 


As respostas para essas e muitas outras questões complexas que têm implicações diretas sobre o clima e a vida em todas as regiões do País podem vir da Antártida. O continente branco está mais perto de nós do que faz supor a dificuldade em alcançá-lo. E não só do ponto de vista geográfico. Os fenômenos naturais que lá ocorrem têm consequências palpáveis sobre o território nacional. “Somos o sétimo país mais próximo da Antártida. Os padrões de chuva aqui são influenciados pela variabilidade do gelo marinho antártico. E recentemente descobrimos que a intensificação dos ventos de oeste que giram em torno do continente (uma das consequências da redução do ozônio) afeta a temperatura do Atlântico Tropical, com impacto na taxa de crescimento de algumas espécies de corais”, atesta o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Heitor Evangelista, geocientista e pesquisador do ambiente antártico há mais de 20 anos.

A via de mão dupla que une o continente austral ao Brasil é um dos fatores que justificam o trabalho científico na Antártida. “Os sistemas são interligados. Também começamos a ter sinais de que queimadas na América do Sul estão poluindo a atmosfera antártica”, explica o PhD em glaciologia e diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Jefferson Simões. O pesquisador ressalta que outro papel da ciência no território gelado é político. Isso porque é a qualidade dos estudos desenvolvidos que define o status de um país dentro do Sistema do Tratado da Antártica, do qual o Brasil é signatário. O conjunto de acordos internacionais determina a constante atividade científica dos países-membros e a preservação da região como território neutro dedicado à pesquisa, à cooperação internacional e à paz. “Dispor de estudos robustos significa ter voz ativa em todas as decisões relativas a uma região que representa 10% da área do planeta e é repleta de riquezas naturais e minerais”, corrobora Janice Trotte Duhá, do MCTI.

Jefferson Simões (E) e Heitor Evangelista festejam instalação do Criosfera 1 em janeiro de 2011 - Centro Polar e Climático-UFRGS
Navios Amirante Maximiano (H-41) e Ary Rongel (H-44) apoiam pesquisas no continente gelado - Marinha do Brasil/Divulgação
Embarcações transportam militares e pesquisadores pelos mares austrais - Marinha do Brasil/Divulgação
Criosfera 1 envia dados por satélite a redes meteorológicas internacionais - Divulgação
Expedição instalou novos equipamentos e realizou manutenção da estrutura este mês - Divulgação
Criosfera 1 abre nova fase no Programa Antártico Brasileiro (Proantar), ao adentrar o continente - Divulgação
Felinto Perry é um dos cinco navios empregados pela Marinha na Operantar 31 - Marinha do Brasil/Divulgação
Professor Jefferson Simões exibe testemunho de gelo, que guarda preciosos dados sobre a atmosfera - Centro Polar e Climático-UFRGS
Max tem 90 metros de comprimento e é capaz de deslocar 5,5 mil toneladas - Marinha do Brasil/Divulgação
Almirante Maximiano tem capacidade para 106 passageiros - Marinha do Brasil/Divulgação
Navios fazem paradas de abastecimento e manutenção no porto de Punta Arenas (Chile) - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Camarotes são para uma a quatro pessoas, com banheiros individuais ou compartilhados - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Laboratórios são equipados com computadores e super freezers - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Em navio de pesquisa, também há espaço para o lazer, como prova a mesa de totó - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ambulatório e consultório odontológico estão a postos para qualquer imprevisto - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Max comporta cinco laboratórios - dois secos, dois molhados e um misto - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Amplo passadiço conta com as mais modernas tecnologias de navegação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Sistema de vídeo garante a diversão na Praça D'Armas do Max - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary Rongel tem capacidade de carga de 2.400 m3 dos dois porões - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Navio segue regras rígidas de segurança - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Lavanderia assegura roupa limpa durante toda a operação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Comandante Marcelo Seabra apresenta instalações do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary dispõe de dois laboratórios e transporta 25 pesquisadores - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Navio conta com avançados aparelhos de oceanografia - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Guindastes içam até 17 toneladas - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Ary Rongel transporta de grandes contêineres a veículos - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Cada Operantar é marcada com um pinguim na proa do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Cozinha abastece 94 pessoas a bordo do Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Tripulantes também têm direito a entretenimento a bordo - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Para não perder a forma com a comida calórica que o frio exige, há academia de ginástica - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Galeria do Ary Rongel exibe placas comemorativas às Operações Antárticas - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Tripulantes dão as boas-vindas no Ary Rongel - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Comandante Marcelo Seabra recebe convidados em seu camarote - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Fã do Fluminense, comandante do Ary Rongel, Marcelo Seabra, exibe brasão do time em seu camarote - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Passadiço do Ary Rongel é mais modesto, mas não menos eficiente que o do Max - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Do passadiço comandante orienta navegação - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Marcelo Seabra diz que trabalho na Antártida é gratificante - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Para o comandante do Almirante Maximiano, Pinto Homem, convivência com pesquisadores é recompensa - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC
Do passadiço do Max, horizonte sem fim rumo à Antártida - Mona Lisa Dourado/Especial para o JC


Diante dessa perspectiva, o incêndio na base Comandante Ferraz teve pelo menos um aspecto positivo, na opinião de Jefferson Simões. A oportunidade de reestruturar, traçar um programa estratégico e apontar novas metas para o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Nesse replanejamento trabalha o Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas, composto por cientistas de diversas instituições do País.

O documento, que será apresentado em março, reorganiza o programa em cinco áreas de vanguarda que incluem estudos sobre a influência da massa de gelo no sistema climático; a conexão entre as mudanças atmosféricas e a circulação oceânica; a biodiversidade e seu processo de adaptação a condições extremas; a interação do ambiente polar com o campo magnético terrestre; e a relação entre evolução do Gondwana (o supercontinente que agregava as massas de terra do Hemisfério Sul) e o desenvolvimento das plataformas continentais.

O caminho para transformar a proposta em ação começa pela garantia de recursos regulares para o Proantar – o subfinanciamento e a instabilidade das verbas são seu maior percalço. “É extremamente precário o orçamento do programa. Infelizmente, o debate sobre ele só foi ter importância na Câmara Federal depois do incidente do ano passado. Mas antes tarde do que nunca”, dispara a vice-presidente da Frente Parlamentar de Apoio ao Programa Antártico Brasileiro, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG). Composta por 54 senadores e 121 deputados, há cinco anos a frente funciona como instrumento de pressão e mobilização para aumentar o investimento do País no continente gelado.

A comunidade científica estima algo entre R$ 5 milhões e R$ 8 milhões o orçamento anual necessário somente para a ciência, sem contar os custos com logística, que representam 80% do Proantar. Comparando com os países emergentes do Brics, o Brasil é o que menos investe na pesquisa antártica, com uma média histórica de pouco mais de R$ 2 milhões ao ano. Já a China gasta cerca de US$ 11 milhões (aproximadamente R$ 22 milhões).
“O valor que projetamos daqui para frente é para nos permitir em seis a oito anos ser um centro de referência em entender a importância da Antártida para o Hemisfério Sul, já que somos os mais afetados pelas suas variações climáticas. Não podemos perder essa liderança”, detalha Simões. Para bom entendedor: é a condição mínima para o País não ver congeladas suas pretensões futuras sobre o continente branco.

 

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