Simples, compacta, inovadora. Leve, moderna, de fácil construção. Confortável, sustentável, segura. Os adjetivos se multiplicam entre arquitetos, militares e pesquisadores para descrever a nova casa do Brasil na Antártida. O endereço continua o mesmo, mas o design... foi completamente reformulado conforme as tendências arquitetônicas do século 21. Dois elegantes edifícios de blocos paralelos, com janelões envidraçados e revestimento externo de chapas de aço pintadas na cor azul petróleo dão forma à futura residência do País no continente branco. A construção ocupará o lugar da antiga base científica erguida na década de 80 e incendiada em fevereiro do ano passado.
A nova estrutura foi revelada na última semana, com a divulgação do resultado do Concurso Estação Antártica, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e pela Marinha. O projeto vencedor é assinado pelo arquiteto curitibano do escritório Estúdio 41 Fabio Henrique Faria, 25 anos. Além dele, outros 17 profissionais (três coautores, 8 consultores e 6 colaboradores) participaram da concepção. O prêmio é de R$ 100 mil, pagos como adiantamento do contrato de R$ 5.183.000,604, que prevê o desenvolvimento das plantas executivas e complementares.
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Segundo o coordenador do concurso, o arquiteto Luiz Fernando Janot, a proposta foi unanimidade entre a comissão julgadora. “O júri passou uma semana exaustivamente reunido. Dos 76 trabalhos submetidos, selecionou 11 para uma análise mais detalhada até chegar ao ganhador. A equipe foi muito feliz, principalmente no aspecto da logística, um dos mais relevantes”, comenta Janot.
Fábio Faria confirma que a facilidade de execução norteou o projeto desde o início. Isso para atender a exigência do edital de que a estação seja fabricada no Brasil em módulos, para depois ser transportada e montada na Antártida. Os concorrentes ainda tiveram que considerar as condições extremas do clima no continente gelado e as necessidades de preservação ambiental. "Foi um trabalho grande de pesquisa até chegar a uma seção transversal padrão, que se repete por toda a base e torna mais simples a pré-fabricação”, detalha Faria.
A futura estação terá uma área de 3,2 mil m2, no mesmo local onde ficava a anterior, na Baía do Almirantado, Ilha Rei George. De acordo com o proposta, a base será organizada em três blocos. O superior abriga camarotes, áreas de serviço e salas de jantar e estar. No inferior, estão laboratórios e áreas de operação, além de garagem e paiol central, localizados próximo ao heliponto e à unidade de desembarque das balsas. Há ainda um bloco transversal para uso social e de convívio, onde ficam sala de vídeo/auditório, lan house, sala de reuniões e biblioteca.
O memorial da nova estação ainda informa que os edifícios são suspensos sobre pilares reguláveis de modo a adaptar-se às mudanças provocadas pela variação de temperatura e ao degelo. “As duas barras são em níveis diferentes, tanto para se adequar melhor ao relevo quanto para proporcionar vista para o mar a partir dos camarotes. Isso contribuiu para o bem-estar, mas também facilita o monitoramento do que acontece na baía”, explica Faria.
Na ata de premiação, os jurados elogiam justamente “a modulação e a racionalidade construtiva” como diferenciais do projeto. Recomendam, no entanto, que seja “revista a distribuição dos ambientes no setor social, no sentido de melhorar a circulação e apropriação dos espaços”.
Para o diretor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Jefferson Simões, além de “muito bonita”, a área externa da futura Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) segue as recomendações dos pesquisadores, os maiores interessados na eficiência das instalações. A comunidade científica, aliás, participou ativamente do estabelecimento “dos requisitos operacionais de alto nível” para a nova EACF, diz Andréa Cruz-Kaled, analista em Ciência e Tecnologia da Coordenação para Mar e Antártica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Na opinião do Contra-Almirante Marcos Silva Rodrigues, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SeCirm), um dos principais ganhos para os estudos científicos, que justificam a presença do Brasil na Antártida, é o aumento no número de laboratórios. “Serão 19, quando antes eram apenas cinco”, ressalta.
Silva Rodrigues também destaca a incorporação de conceitos de sustentabilidade e segurança. A matriz energética, por exemplo, será baseada em um modelo de cogeração que integra energia solar, eólica e proveniente da queima de etanol. Uma solução automatizada permitirá o uso equilibrado de cada uma das fontes. “O sistema de tratamento de água e esgoto será de última geração e só utilizaremos materiais biodegradáveis, para minimizar o impacto ambiental”, garante Silva Rodrigues.
Já a prevenção de incêndios, como o que destruiu 70% da estação antiga e matou dois militares em 2011, ganhou um reforço. Haverá sistemas individualizados de combate ao fogo nas unidades autônomas do edifício e antecâmaras de emergência com portas corta-chamas, além de paredes pré-fabricadas em concreto celular de 10 centímetros de espessura capazes de resistir às labaredas por cerca de seis horas.
Otimista com o processo de reconstrução da EACF, Silva Rodrigues acredita que no início do próximo verão antártico, em novembro, já será possível lançar a pedra fundamental da nova estação. “A meta é em 2014 já estar totalmente operacional.” Para isso, será preciso empreender uma corrida contra o tempo. Nos próximos meses, a equipe vencedora do concurso deverá desenvolver o projeto executivo da base, com todos os detalhamentos para a construção. Só então, será lançada a licitação para escolha da empresa responsável pela montagem da estrutura.
Tendo como referência experiências semelhantes recentes na Antártida, a base brasileira deve custar entre R$ 70 e R$ 100 milhões. A vida útil prevista para as instalações é de pelo menos 40 anos. Nesse período, milhares de pessoas transitarão pela estação, que terá capacidade para receber simultaneamente até 64 pessoas. Os cientistas costumam permanecer por períodos de 30 dias durante o verão antártico, de novembro a abril. No inverno, cabe a um grupo base da Marinha garantir a manutenção da estrutura e a presença permanente do País no continente gelado.