O mundo aguarda a definição de um novo pacto global climático. Em dezembro, representantes de 195 países se reúnem, em Paris, para a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima (COP21).
O intuito é chegar a um acordo que reduza a emissão de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global. O Acordo de Paris deve entrar em vigor em 2020, em substituição ao Protocolo de Quioto.
Na avaliação do diretor do Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais do Ministério das Relações Exteriores, ministro Raphael Azeredo, o evento é apenas o início de um esforço diplomático muito intenso para regulamentar e implementar o documento a partir de 2020.
“Você vai ter, pela primeira vez, um esforço verdadeiramente global para atingir o que o IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] ditou como o limite do que seria a interferência humana e a partir do qual você teria efeitos nefastos, que são [conter o aumento da temperatura média da Terra em] 2 graus Celsius até o final do século”, disse.
Em entrevista concedida à Agência Brasil, o ministro destaca a importância do evento e da participação de mais nações no acordo de redução de gases poluentes. Na avaliação dele, a reunião em Paris será um marco e deverá inaugurar “uma nova fase” em que todos os países terão contribuições para a questão da mitigação. Para ele, o Brasil tem uma das metas mais ambiciosas do planeta e isso pode ajudar a induzir outras nações a pensar políticas mais efetivas para mudanças do clima. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil: Qual a importância da COP21?
Raphael Azeredo: A importância é enorme. Estamos encerrando um ciclo que vem desde Copenhague. Com o fracasso da COP em Copenhague, em 2009, [que terminou sem acordo formal sobre novos limites globais de redução de emissões de gases de efeito estufa] , o regime [climático] ficou com um vácuo porque todos nós sabíamos que o Protocolo de Quioto [de redução de emissões de gases de efeito estufa para países desenvolvidos] teria seu segundo período de vigência até 2020 e evidentemente, por parte dos países desenvolvidos, não havia nenhum interesse em negociar um terceiro período de cumprimento para Quioto. Apesar de todos os avanços e de ter sido inovador em muitas coisas, Quioto tinha o defeito essencial de não ter a participação dos principais países emissores. Os Estados Unidos nunca ratificaram o protocolo nem a China, por não ser um país desenvolvido. Nunca se vislumbrou que os países em desenvolvimento sob Quioto participassem com ações de mitigação [redução das emissões de gases poluentes]. Então Paris, se tudo der certo, e o Brasil está apostando que tudo dará certo, vai inaugurar uma nova fase do regime em que todos os países terão contribuições para a questão da mitigação, para suas ações de adaptação [às mudanças climáticas] e para prover meios de financiamento.
ABr: O que está em jogo nesta COP?
Azeredo: Você vai ter pela primeira vez um esforço verdadeiramente global para atingir o que o IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas] ditou como o limite do que seria a interferência humana a partir do qual você teria efeitos nefastos, que são [conter o aumento da temperatura média da Terra em] 2 graus Celsius até o final do século. Temos que atingir uma meta de esforço conjunto de mitigação. Esses esforços nacionais somados têm que ser tabulados e computados pelo secretariado da Convenção [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas] para ver o que vai ser efetivamente esse esforço coletivo. A partir de 2020, quando termina o período de cumprimento do Protocolo de Quioto, começa a nova fase de implementação global do acordo. É de imensa importância o que se pretende fazer em Paris. Mas Paris é o começo de um esforço diplomático muito intenso, porque não é só o que vamos aprovar em Paris em dezembro. É tudo o que vai ter que vir depois para regulamentar. Se tudo der certo, o acordo começa a viger a partir de 2020. Entre 2016 e 2020, será necessário todo um esforço complementar de legislação para fazer com que funcione. Não só de ratificação, isso é uma questão nacional, cada país determinará, dentro do seu ordenamento jurídico, como internalizar o acordo. O esforço a que estava me referindo é multilateral para ajudar no financiamento, na transferência de tecnologia, para harmonizar os dados, senão os esforços de cada país vão ser muito diferentes e não necessariamente comparáveis. Isso vem agora com o Acordo de Paris.
ABr: Como o Brasil chega a Paris?
Azeredo: O Brasil chega muito bem. O Brasil é reconhecidamente um dos países que sempre procurou estar à frente no debate das mudanças do clima. Através dos esforços diplomáticos, nós sempre demos importância mais alta para as tratativas internacionais sobre mudança do clima. A ministra Izabella Teixeira [do Meio Ambiente] se engajou pessoalmente na coordenação interna da formulação da INDC [Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida]. Sinal da importância atribuída pelo Brasil, a INDC foi apresentada pela própria presidenta da República [Dilma Rousseff] nas Nações Unidas [em 27 de setembro]. Nossa INDC foi reconhecida como uma das mais ambiciosas, com previsão de redução absoluta da emissão dos gases de efeito estufa e com números considerados muito bons: 37% até 2025 e 43% até 2030. Gostamos de pensar que a nossa INDC poderá induzir outros países a pensar de uma forma mais ambiciosa em termos de políticas para mudanças do clima.
ABr: Quais serão os principais embates na COP?
Azeredo: Acho que a questão da diferenciação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O Brasil fala há muitos anos que um dos critérios para você ter justiça na repartição do esforço de mitigação é o conceito da responsabilidade histórica. O fenômeno do aquecimento global ocorre pela concentração desses gases na atmosfera, o que ocorre de forma mais significativa desde a Revolução Industrial. E é fato que isso é mais atribuído aos países desenvolvidos que aos países em desenvolvimento. Esse é um grande debate porque os países desenvolvidos argumentam: hoje são vocês, países em desenvolvimento, os maiores responsáveis pelas emissões atuais. Apesar de os países em desenvolvimento serem hoje os maiores emissores, a responsabilidade histórica recai em grande parte sobre os países desenvolvidos. Mas essa questão vai ser resolvida. Os países em desenvolvimento já vêm contribuindo de forma muito significativa e, às vezes, além da sua responsabilidade histórica para o esforço de mitigação. Isso vai dar trabalho, mas vai ser resolvido. A questão da transparência também vai ser algo difícil. A demonstração de como os esforços vão ser feitos. Não basta dizer: “eu vou fazer isso, eu vou reduzir tanto”. Os países têm que dizer como vão fazer.
ABr: Como é o processo negociador? Os países adotam por consenso?
Azeredo: Sim, tudo por consenso. Em teoria, um país pode bloquear uma decisão. Você imagina o que é ter que negociar com 195 países. E não são só 195 países porque grande parte da negociação é conduzida por meio dos blocos, como a União Europeia. Os países individuais da União Europeia, eles não levantam a plaquinha e falam. A União Europeia só fala por meio de sua presidência, que atualmente é em Luxemburgo. Então você nunca verá o Reino Unido levantando a placa, depois a França. O Brasil participa de dois grupos: o Grupo dos 77, que reúne os países em desenvolvimento, e o Basic, que reúne as grandes economias emergentes (África do Sul, Índia, China e Brasil). Agora, há outros, uma vez eu contei, acho que são 18 grupos ou regionais ou de interesse, que atuam de forma muito presente na Convenção. Isso, às vezes, facilita as negociações porque, em vez de 195 países, você está falando entre 18, e, às vezes, dificulta. É um processo extremamente complexo. As COPs acabam sendo verdadeiros formigueiros de negociadores, de representantes da sociedade civil, de governos locais, de entidades supranacionais.
ABr: Como será o mecanismo de averiguação do cumprimento das metas?
Azeredo: Isso está sendo negociado. No mecanismo de cumprimento, você tem duas filosofias básicas: o punitivo, que tem sanções, e o facilitativo. Se o país não está cumprindo porque ele está enfrentando algum tipo de problema, então o papel do regime é ver o que está acontecendo e ajudar o país a cumprir. Esta é a posição brasileira. Nós não vemos regimes de cumprimento punitivo como algo que ajude o sistema. Pelo contrário. Há vários motivos que levam um país a não cumprir. Um deles é incapacidade. Na nossa visão, um regime de cumprimento tem que ser justamente aquele instrumento que ajude o país a identificar os problemas e ajude a saná-los. E em um problema tão evidente e tão presente hoje como a mudança do clima, o verdadeiro regime de cumprimento é o que se diz em inglês name and shame [constrangimento perante a sociedade]. Como é um assunto tão visível, você vê certos governos e sociedades civis apontando: olha que vergonha a nossa INDC. E o governo daquele país é ovacionado, no mau sentido, pela falta de ambição. Se é por uma decisão política de não implementar, eu acho que a verdadeira sanção é a que vem no próprio âmbito político global e nacional daquele governo que tomou a decisão de não implementar.