Não existe um plano ou sistema para avisar a população sobre a abertura das comportas da Barragem de Paiva Castro na Grande São Paulo. Na última sexta-feira (11), devido ao grande volume de chuva, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) teve de liberar parte da água represada no reservatório para evitar o rompimento da estrutura. A medida acabou agravando as inundações no município de Franco da Rocha.
Devido aos alagamentos e deslizamentos causados pela chuva, 240 pessoas ficaram desalojadas na cidade, sendo que 57 tiveram que dormir em abrigos públicos, por não ter para onde ir. Prédios públicos, incluindo a própria prefeitura, foram atingidos pelas águas. Duas pessoas se afogaram ao tentar atravessar um ponto alagado. O prefeito Francisco Daniel Celeguim de Morais declarou estado de emergência na cidade.
A Lei 12.334 de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, determina que o sistema de alerta para situações de emergência pode ser exigido pelo órgão regulador, no caso o Departamento de Águas do Estado de São Paulo (Daee). No entanto, o plano de controle de cheias da Sabesp, que opera a barragem, prevê apenas aviso à Defesa Civil do estado de São Paulo caso haja possibilidade de abertura das comportas.
Prefeitura alertada
Na sexta-feira, o órgão foi notificado às 2h30 de que era iminente a descarga de água do reservatório e avisou a prefeitura. Os agentes municipais começaram, então, segundo a prefeitura, a resguardar o patrimônio nos prédios públicos, colocando documentos e equipamentos fora do alcance da água.
Não foi emitido, entretanto, nenhum alerta para que a população se preparasse para a enchente, que ocorreu quatro horas depois, com a descarga de 50 mil litros da água por segundo até a tarde de sábado (12), quando as comportas foram fechadas parcialmente. A prefeitura negou que exista qualquer planejamento no sentido de alertar a comunidade.
A responsabilidade pelos danos e pela inexistência de planos de alerta e evacuação das áreas com risco de alagamento está sendo apurada por um inquérito aberto pelo Ministério Público de São Paulo. Os promotores vão apurar se houve omissão das autoridades. A portaria assinada pelo promotor Ricardo Manuel Castro informa que não é a primeira vez que a abertura das comportas da represa causa alagamentos na cidade. Episódios semelhantes ocorreram em 1987, 2011 e 2015.
Brechas na lei
A professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Mônica Zuffo destaca que apesar de haver uma legislação “robusta” sobre o tema, os deveres de cada instância não são claros. “Esse é o problema, são as brechas da lei, porque, em tese, não está claro quem tem que fazer o que e quando”, disse. Caso fosse exigida a instalação do sistema de alerta, o que é definido pelo nível de risco da barragem ou a critério do órgão regulador, isso seria, segundo a professora, uma obrigação da Sabesp.
“O que falta nessa legislação é justamente falta de atribuição de responsabilidades. Em tese, quem teria de instalar esses sistemas de alerta deveria ser o empreendedor, no caso a Sabesp. Mas quem vai operar, claro que teria de ter uma conjunção entre empreendedor e Defesa Civil”, afirmou a especialista em segurança de barragens. Existem, de acordo com a professora, diversos mecanismos que poderiam fazer esse tipo de aviso, desde sirenes até mensagens por celular.
À prefeitura caberia, segundo Mônica, apenas acionar a Defesa Civil para atender a população. “A prefeitura não tem como ser culpada de nada. Ela não tem atribuição. A atribuição da prefeitura, segundo o manual, é só acionar a Defesa Civil”, diz, em referência ao Manual de Segurança de Barragens elaborado pelo Ministério da Integração Nacional.
As falhas na fiscalização e atribuição de responsabilidades devem, na opinião da professora, multiplicar os casos de acidentes envolvendo barragens nos próximos anos. “Os acidentes com barragens, independentemente do propósito, tendem a aumentar ao longo do tempo. A gente vai ter muitas notícias de muitas catástrofes com barragens no Brasil”, acredita.
Plano de Contingência
O Daee informou, em nota, que todos os reservatórios do Sistema Cantareira, do qual a Represa de Paiva Castro faz parte, têm um plano de contingência de operação. “Com protocolos detalhados, que foram seguidos estritamente pela Sabesp. Graças a esses procedimentos, evitou-se uma tragédia ainda maior”, diz o comunicado.
Ainda segundo o departamento, todas as informações técnicas serão fornecidas detalhadamente ao Ministério Público, dentro do inquérito que apura o caso. O plano de contingência também prevê, de acordo com o Daee, a retirada de atingidos e o socorro às vítimas.
Também em nota, a Sabesp informou que a abertura foi necessária para evitar o rompimento da represa. Segundo a estatal estadual, em um período de 12 horas a Barragem de Paiva Castro recebeu o equivalente a 71% da capacidade total do reservatório.
Segundo a Sabesp, a represa evitou uma inundação ainda mais grave em Franco da Rocha e Caieiras, municípios alagados pelas chuvas de sexta-feira. “A vazão máxima de saída da Paiva Castro, resultante da abertura da comporta, é de 50 metros cúbicos por segundo, ou seja, 20% da vazão máxima de entrada. Dito de outra maneira: a enchente seria de proporções ainda maiores se não existisse a represa”, diz o comunicado da estatal.
A Defesa Civil do Estado de São Paulo informou que todas as ações de contingência para enchentes ao longo do Sistema Cantareira foram acordadas com os municípios sob influência dos rios e represas. “A partir do momento em que os reservatórios atingem os níveis de atenção e emergencial, o operador do sistema notifica a Coordenadoria Estadual da Defesa Civil, que informa os municípios que serão afetados para que adotem as medidas necessárias ao atendimento às famílias residentes em áreas de risco previamente identificadas pelas defesas civis municipais”.
Na noite de quinta-feira (10), às 22h19, a Defesa Civil Estadual disse que comunicou ao município de Franco da Rocha que o volume de chuvas havia alcançado o nível de atenção. De acordo com o órgão, a partir desse aviso “as equipes deveriam realizar vistorias preventivas nas áreas de risco previamente mapeadas”.