Pouco conhecida pela maioria da população, a medicina nuclear é hoje fundamental para o diagnóstico de vários tipos de cânceres e doenças do coração. Entretanto, somente 6,3% dos serviços dessa tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS) são públicos. Os dados são da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) com base no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). O tema foi abordado nesse sábado (12) durante o 2º Fórum dos Pacientes do 30º Congresso Brasileiro de Medicina Nuclear.
Segundo o presidente da SBMN, Claudio Tinoco Mesquita, os demais serviços são privados e também contratados pelo SUS. “Como a tabela do reembolso desses serviços não é reajustada desde 2009, muitos estão parando de atender. Já ouvi diretor de hospital dizer que medicina nuclear dá prejuízo”, disse Tinoco. “É muito injusto, porque quem produz é o governo e essa produção feita com alta tecnologia acaba servindo, sobretudo, ao setor privado”, completou.
A medicina nuclear utiliza quantidades mínimas de substâncias radioativas - os chamados radiofármacos - para obter imagens e oferecer tratamentos precisos para diversas doenças e, em alguns casos, seu uso pode ser decisivo na cura do paciente. Márcio Salmázio, de 48 anos, foi diagnosticado com câncer de próstata no início do ano. “A doença já estava avançada, estava com metástase nos gânglios linfáticos. Meu primeiro médico falou que nem iria me operar, que meu caso era apenas tratamento paliativo”, afirmou. Após trocar de médico, ele fez um exame conhecido como PSMA, que identificou que a metástase poderia ser revertida. “Fiz um exame há 15 dias e estou zerado.”
O exame não está incluído nem no SUS nem na saúde complementar e custa cerca de R$ 4.500. “Infelizmente, é um exame caro e poucas pessoas têm acesso a ele. Fico pensando quantas pessoas acabam morrendo porque não podem fazer esse exame, não recebem devido tratamento”, destacou Salmázio.
O câncer de próstata é o segundo mais frequente entre homens. De acordo com médica nuclear do Hospital Israelita Albert Einstein, Akemi Osawa, a nova tecnologia está revolucionando os paradigmas do diagnóstico e do tratamento. “Em algumas situações, o paciente está há anos achando que tem metástase no osso e quando fazemos o PSMA, não estava no osso. É um impacto avassalador. Torço para que essa tecnologia seja difundida a galope”.
A grande assimetria entre o acesso no serviço público e no privado foi também discutida no fórum. “Dos 150 milhões de usuários do SUS, temos 228 cintilografias cardíacas. E dos cerca de 51 milhões de usuários da saúde suplementar, temos 800 mil cintilografias cardíacas”, disse Tinoco. Para quem tem plano de saúde, o uso de cintilografia cardíaca está na faixa de 1.683 procedimentos para cada 100 mil habitantes, e, no SUS, ela cai para 150 para cada 100 mil habitantes.
Mais de 430 clínicas oferecem exames traçadores no país, e o número vem crescendo cerca de 5% anualmente. A este ritmo, o SUS só alcançará mesma taxa de utilização da saúde suplementar daqui a 50 anos, destacou o Tinoco.
A representante de o Instituto Vencer o Câncer, Rita de Cassia Domingues, disse que, mesmo na saúde suplementar, os pacientes têm encontrado muita dificuldade para marcar exames. “Muitas vezes o médico não solicita exames importantes porque o plano de saúde não paga. O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde deveria ser um direcionamento e não um teto. Esta é a grande preocupação da sociedade civil organizada”, destacou. Os serviços de medicina nuclear estão concentrados nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
A representante da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Mariana Cavalcante, lembrou que o acesso a esse tipo de tecnologia é ainda pior nas regiões Norte e Nordeste. “Dos 40 centros que realizam PET (Tomografia por Emissão de Pósitrons), 14 ficam na Região Sul e 17 na Região Sudeste. Na Norte não tem nenhum centro que realiza o exame, segundo dados do SUS de 2015,” disse.
O PET é um dos principais avanços da medicina nuclear e vem contribuindo para diminuir o número de cirurgias desnecessárias para a remoção do tumor e diminuindo gastos no SUS.
De setembro do ano passado a agosto deste ano, segundo o Datasus, nenhum PET foi feito na Região Norte e em vários estados, inclusive no Rio de Janeiro. Ao todo foram feitos 12 mil exames nesse período, menos 0,1 para cada 100 mil habitantes, bem abaixo de países vizinhos como o Uruguai e a Argentina. Na saúde suplementar, essa taxa é de 16 por 100 mil habitantes.
A Agência Nacional de Saúde prevê o uso do exame na saúde suplementar para apenas oito indicações de câncer. Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, a indicação passa de 50. No SUS, o exame só está autorizado para três tipos de doenças: linfoma, câncer de pulmão e câncer de cólon com metástase hepática. Além do PET, mais 52 procedimentos ambulatoriais são oferecidos gratuitamente no sistema público de saúde, além de 20 radiofármacos. Existem hoje cerca de 150 equipamentos de PET no Brasil.