A gestão Bruno Covas (PSDB) pediu aprovação da Câmara Municipal de São Paulo para um cadastramento único dos usuários abusivos de álcool e drogas da cidade que sejam atendidos pelos serviços do município, seja nos programas de saúde, assistência social ou reinserção no mercado de trabalho. O cadastramento é uma das propostas previstas no projeto de lei da Política Municipal Sobre Álcool e Drogas, enviado ao Legislativo no fim de junho.
A nova política, em linha gerais, é bem vista pelos vereadores ligados à população de rua e à Cracolândia. Mas o cadastramento é visto com ressalvas, por criar dificuldades para as abordagens dos usuários, que só concordariam em fornecer os dados após criar uma relação de confiança. Se o usuário se sente inseguro, há risco de desaparecer e prejudicar o atendimento social e de saúde.
Entretanto, conforme explica a Prefeitura, os usuários da Cracolândia já têm seus dados coletados em um cadastro, que se chama Aplicativo de Seguimento dos Pacientes do Redenção (ASPR) e registra os atendimentos nos diferentes serviços da cidade. Segundo a Prefeitura, a ideia da nova lei é "manter e aprimorar o atendimento a usuários já existentes, principalmente àqueles em vulnerabilidade". O ASPR serve para "relatórios de acompanhamento e gestão", além de registrar o atendimento a cada cidadão.
Dividido em três eixos, o texto não menciona especificamente a abstinência ao uso de entorpecentes. "A redução de danos é uma das modalidades de tratamento que é construída entre o paciente e profissional de saúde que o assiste, seguindo os princípios do Projeto Terapêutico Singular. Se a escolha do paciente e do profissional não for a abstinência, existe a possibilidade do modelo de redução de danos", diz a Prefeitura. O modelo de redução de danos prevê minimizar os prejuízos de quem opta por continuar usando droga.
No primeiro eixo, o texto apresenta as diretrizes que devem nortear as ações da cidade, como o "respeito aos direitos humanos". O segundo determina os objetivos das políticas públicas, como "reduzir o risco à vida e a vulnerabilidade em saúde", e "promover oportunidades de qualificação técnica e inserção profissional". O eixo final estabelece as ações públicas: além da prevenção em escolas e outros locais, descreve um roteiro de atuação, da abordagem - e cadastramento - à obtenção de emprego, passando pelos atendimentos médico e social, onde aborda até a questão da moradia em albergues.
A vereadora Patrícia Bezerra (PSDB), ex-secretária de Direitos Humanos, diz que o projeto chegou como um texto "aberto", que dá espaço para que cada ação seja discutida detalhadamente, "em uma construção com todos os envolvidos". Mas destaca que o cadastro deve vir com o fortalecimento das assistentes sociais, "que estão na linha de frente."
Já a vereadora Soninha Francine (PPS), também ex-secretária (Assistência Social) elogia termos empregados na proposta, como a inclusão do "álcool". Mas critica: "A palavra cadastro é horrível". "Lá atrás, quando se discutia o programa Recomeço, houve essa ideia, de se sair com uma prancheta, um tablet, e preencher uma ficha. 'Você já almoçou hoje?', 'Você já foi em um albergue?' Era uma forma de avaliar a política, mas não faz sentido", diz. "O cadastro nacional também prevê isso. Mas todo pronto-socorro vai cadastrar todo coma alcoólico?"
O toxicologista do Hospital das Clínicas Anthony Wong questiona a política que admite tolerância ao consumo. "Nas empresas onde dou consultoria, se você adota a tolerância zero com o funcionário usuário de drogas, o consumo despenca. Se é tolerante, não."