Migração venezuelana gera tensão e muda perfil da pacata Pacaraima

O pequeno município tem chamado a atenção para sérios problemas causados pelo abandono social e pela intolerância de alguns contra imigrantes
ABr
Publicado em 26/08/2018 às 19:36
O pequeno município tem chamado a atenção para sérios problemas causados pelo abandono social e pela intolerância de alguns contra imigrantes Foto: Foto: Agência Brasil


Uma cidade pacata e de migrantes. É assim que muitos classificam Pacaraima, pequeno município do norte de Roraima, que se tornou nos últimos dias palco de tensão e conflito em torno da questão migratória. O pequeno município tem chamado a atenção para sérios problemas causados pelo abandono social e pela intolerância de alguns contra imigrantes venezuelanos.

A cidade ganhou visibilidade nacional e internacional quando começou a receber levas de venezuelanos fugindo da fome, da insegurança e das doenças causadas pela grave crise político- econômica que aflige o país de origem. O conflito ocorrido há uma semana retomou as atenções de todo o mundo para a cidade.

Não é a primeira vez que Pacaraima se torna o epicentro de uma tensão. Por estar situada inteiramente em área indígena (Reserva São Marcos), Pacaraima é o único município do Brasil que não tem seu perímetro urbano regularizado, característica que também atraiu para a cidade alguns contratempos.

Entre 2005 e 2009, o entorno de Pacaraima foi palco de protestos organizados por arrozeiros e outros moradores da região contrários à demarcação contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, que alcança a área leste do município. A demarcação estabeleceu que os fazendeiros e não índios deixem as terras indígenas, determinação que gerou conflitos na área.

Muitos fazendeiros foram para outros estados, mas o assunto ainda divide opiniões no município, inclusive entre lideranças indígenas. A solução para delimitar a área do município e desmembrá-la das reservas indígenas ainda é acordada entre a prefeitura, integrantes do governo federal e representantes dos índios.

De acordo com o professor João Carlos Jarochinski, um dos coordenadores do Programa de Mestrado em Sociedade e Fronteira Universidade Federal de Roraima (UFRR), o debate gira em torno da possibilidade de assegurar um espaço urbano de Pacaraima para a população não indígena.

“Pacaraima sempre foi uma área tensa por outros aspectos. O primeiro ponto que chama a atenção é que você não tem uma definição jurídica do município, o que, do ponto de vista de propriedade, é bastante problemático e dificulta a própria intervenção do Estado na área, na construção de espaços e de uma estrutura urbana mais adequada”, afirmou Jarochinski.

Focos de tensão

Por estar localizada na fronteira e em um estado rico em minérios e outros recursos naturais, ao longo de seus 23 anos de história Pacaraima enfrentou algumas situações relacionadas ao garimpo e ao combustível, recurso do qual depende da Venezuela, onde é possível abastecer pagando em média R$1,40 pelo litro da gasolina. O único posto de gasolina que abastece a cidade é venezuelano e muitas vezes está fechado.

“A migração sempre ocorreu ali e sempre teve atividades que beiravam a ilicitude. É um município que pouco oferece à população. Nele, você tem contrabando de combustível da Venezuela para o Brasil, uma atividade de alto risco, e a questão do garimpo. É uma área de base, de assistência para o garimpo, que, inclusive, se desenvolve de forma bastante efetiva na Venezuela”, completou o professor.

A questão energética também gera uma certa tensão na fronteira, uma vez que dois terços da energia de Roraima é venezuelana. Se há qualquer empecilho de ordem diplomática, como o recente embargo dos Estados Unidos aos pagamentos estrangeiros à Venezuela, entre eles os recursos brasileiros pagos pela energia vinda da Venezuela, a tensão recai sobre os moradores das áreas de limite entre os dois países.

“O próprio aspecto de ser fronteira gera um quadro de tensão, ainda mais que a gente tem uma ideia muito negativa de fronteira, sempre associada a assuntos negativos, como criminalidade, o que impacta na própria ideia de exclusão da comunidade”.

Perfil

Cercada por muitas serras e mais de 50 comunidades indígenas, a sede de Pacaraima tem cerca de seis mil habitantes e outros seis mil espalhados em vilas e aldeias de índios de diferentes etnias. Situada no ponto mais alto de Roraima, a 920 metros de altitude, a cidade tem um clima fresco e agradável, bem diferente da capital Boa Vista, a pouco mais de 200 km de distância.

A aglomeração em torno do garimpo foi um dos fatores que motivou a formação da então Vila BV-8, em meados da década de 20, além da presença do Exército na área para controlar o fluxo na fronteira. O município foi criado oficialmente com o nome de origem indígena em 1995.

Hoje, a principal fonte de renda da cidade é o serviço público e o comércio, que vive momentos de boom e crescimento, outros de instabilidade e dependente de oportunidades ou crises que atravessam a fronteira. A atividade agropecuária também tem participação importante na economia da região, com a criação de gado de corte, produção de polpa de cupuaçu, mandioca, farinha e milho, bases da alimentação indígena.

Segundo o secretário municipal de Agricultura, Turismo e Meio Ambiente, Marcelo da Silva, a cidade também tem potencial para desenvolver o turismo ecológico e cultural.

Para Marcelo, o objetivo é dar uma fonte alternativa de renda para os indígenas e, desse modo, diminuir a dependência de atividades agropecuárias que geram mais impactos ambientais, além da disseminação da diversidade ambiental e da tradição indígena fortemente presente na região.

Renda e aspectos sociais

Conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o salário médio dos trabalhadores formais em Pacaraima é de R$ 1,8 mil. Quase metade da população (46,5%) tem renda mensal inferior a um salário-mínimo e apenas 4,3% é ocupada.

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita (soma de todos os bens dividida pelo número de habitantes) é de R$ 12,3 mil. O índice de desenvolvimento humano (IDH) municipal é de 0,650, valor considerado médio pelas Nações Unidas, em uma escala que vai de 0 a 1.

Os dados mais recentes do IBGE mostram ainda que a taxa de mortalidade infantil é 14,5 a cada 100 mil nascidos vivos, índice considerado baixo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Apenas 21% do município tem esgotamento sanitário adequado e na educação, 93% das crianças de 6 a 14 anos estão escolarizadas.

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