A recuperação ambiental da bacia do Rio Doce, três anos após o rompimento da barragem da mineradora Samarco, ainda dá o primeiros passos, na avaliação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A presidente do órgão, Suely Araújo, calcula que serão precisos aproximadamente mais 15 anos para se ter resultados mais concretos para as ações que estão sendo feitas na área afetada.
Considerado a maior tragédia ambiental do país, o rompimento da barragem em Mariana (MG) completou três anos na última segunda-feira (5/11). No episódio, foram liberados no ambiente cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que destruiu comunidades, devastou florestas e poluiu rios, além de deixar 19 mortos. "Temos programas para mais 15 anos. A natureza tem seu tempo. Não se faz recuperação ambiental em dois ou três anos. Isso não existe", disse Suely Araújo, em entrevista coletiva na semana passada.
A presidente do Ibama preside também o Comitê Interfederativo, que é composto por diferentes estruturas do poder público. Seu objetivo é fiscalizar os trabalhos da Fundação Renova, criada para gerir todo o esforço de reparação dos danos causados na tragédia. As ações planejadas são financiadas com recursos da Samarco e de suas acionistas, a Vale e a BHP Billiton. Tanto o Comitê Interferativo como a Fundação Renova foram previstos no acordo que as mineradoras assinaram em março de 2016 com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.
"O comitê só vai parar de trabalhar quando considerar concluídos todos os 42 programas que foram definidos", afirmou Suely. Segundo ela, a existência da estrutura independe de quem estiver a frente do governo federal, pois consta em termo assinado pela União e homologado na Justiça.
Apesar da natureza exigir seu tempo próprio, tanto o Ibama quanto a Fundação Renova informam que há avanços no reflorestamento. As ações visando o reflorestamento tiveram início em 2016 com uma revegetação inicial com gramíneas e leguminosas em diversos trechos da área mais afetada, entre a barragem e a Usina de Candonga, em Santa Cruz do Escalvado (MG). A medida, de cunho emergencial, buscou combater a erosão e estabilizar o solo. Suely explicou que, só após esta primeira fase, teve início o reflorestamento.
De acordo com Gabriel Kruschewsky, engenheiro florestal da Fundação Renova, a recomposição de espécies nativas em áreas de preservação permanente começou no princípio deste ano. Até o momento, 95 hectares foram plantados. A meta é recuperar 540 hectares nas áreas de preservação permanente atingidas pela lama.
Segundo o engenheiro florestal, o reflorestamento se dá de forma integrada com a recuperação produtiva em sítios e fazendas. Esse trabalho é voltado para outros 600 hectares que eram destinados à pastagem e ao cultivo de culturas agrícolas. A Fundação Renova também atua na regularização ambiental das propriedades rurais e pretende recompor cerca de 500 hectares de áreas de preservação permanente existentes no interior delas. Trata-se de vegetação que não foi alcançada pela lama, mas que já se encontrava degradada. Todas estas ações, no entanto, dependem da adesão do produtor. "É opcional, mas a procura tem sido alta. Também estamos fazendo campanha de mobilização com os produtores", disse Gabriel.
O compromisso da Fundação Renova é recuperar não apenas a área de vegetação diretamente impactada na tragédia, como também outros 40 mil hectares degradados da bacia do Rio Doce. Trata-se de uma medida compensatória prevista no acordo entre as mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. É previsto o plantio direto de 10 mil hectares e, nos demais 30 mil hectares, será conduzido um trabalho que proporcione a regeneração natural. Outro compromisso assumido envolve a recuperação de 5 mil nascentes, que receberão novas árvores no entorno.
Na área diretamente afetada, a opção por retirar ou não a lama depositada varia conforme as características de cada trecho. A decisão é tomada buscando o menor impacto ambiental e segue um plano de manejo elaborado após discussão com especialistas. Segundo Pedro Ivo, engenheiro ambiental que atua na Fundação Renova, a remoção nem sempre é o melhor caminho, pois o tráfego intenso de caminhões, por exemplo, pode trazer prejuízos ao meio ambiente. A dificuldade de se encontrar um novo local para receber o material também é observada.
De acordo com Pedro, o rejeito não é tóxico e plantar sobre ele não é um problema, embora demande um trabalho de recuperação similar ao que se faz em um solo degradado. "O rejeito é pobre em matéria orgânica. O plantio emergencial das leguminosas, que são espécies de plantas que crescem rapidamente e se renovam, já gera matéria orgânica que se mistura com o rejeito. Além disso, nós fazemos adubação com nitrogênio, fósforo e potássio". Segundo o engenheiro ambiental, algumas ações vêm sendo desenvolvidas com intensa participação das comunidades. A recuperação de uma cachoeira no distrito de Camargos, no município de Mariana, estaria sendo conduzida a partir de decisões da população local.
A qualidade da água do Rio Doce vem sendo vista de forma distinta por diferentes agentes envolvidos na reparação dos danos. Por um lado, a Fundação Renova garante que os parâmetros de metal já são similares ao que se observava antes da tragédia. De outro, a Justiça Federal mantém suas reservas e ainda não suspendeu aliminar que proibiu a pesca na foz. Em vigor desde fevereiro de 2016, ela impede a atividade pesqueira em dois municípios do litoral capixaba: Aracruz e Linhares.
Já em Minas Gerais, é o Instituto Estadual de Florestas (IEF), autarquia ligado ao governo mineiro, que restringe a pesca. A atividade estava vetada desde 1º novembro de 2016. Em maio do ano passado, foi liberada a captura de algumas espécies de peixes, como o mandi e a tilápia, situação que permanece desde então.
"Hoje é a bacia mais monitorada do Brasil. Temos 92 pontos de monitoramento da qualidade da água, sendo 22 estações de monitoramento automático que liberam 80 parâmetros por minuto e isso é avaliado. Uma consultoria independente faz um relatório que é enviado para os órgãos ambientais como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam)", explicou Andrea Aguiar Azevedo, diretora-executiva de engajamento, participação e desenvolvimento institucional da Fundação Renova. Ela explica que o sistema é operacionalizado pela Fundação Renova, mas utilizado pelos órgãos públicos ambientais.
Além da qualidade da água, desde setembro do ano passado está em curso um estudo da biodiversidade aquática no Espírito Santo, através de convênio com a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia (Fest). São 230 pontos de coletas de dados e amostras espalhados nos rios da bacia, nos mangues, em praias, lagoas, ilhas e também no mar. As análises envolverão desde as bactérias até as baleiras. Para dar conta da dimensão dos trabalhos, foi organizada a Rede Rio Doce Mar, uma rede colaborativa acadêmica formada por pesquisadores de 24 instituições de todo o país e com coordenação central na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Em julho do ano passado, a Fundação Renova também deu início a um monitoramento terrestre para verificar os níveis de metais na fauna e na flora. Para este trabalho, foi contratada a empresa Bicho do Mato Meio Ambiente. A realização de todos esses monitoramentos são também compromissos assumidos no acordo firmado com a União e os governos mineiro e capixaba. De acordo com o Ibama, eles são considerados fundamentais para a definição de novas ações.
*Colaborou Kariane Costa - Repórter da Radio Nacional de Brasília