Rio: policiais que 'abaterem' pessoas com fuzis serão investigados, diz procurador

Segundo MPF do Rio de Janeiro, a questão pode ser levada à Procuradoria Geral da República no ano que vem, uma vez que uma 'licença para matar' emitida pelo Estado afrontaria a Constituição e a legislação penal
Estadão Conteúdo
Publicado em 15/11/2018 às 17:48
Segundo MPF do Rio de Janeiro, a questão pode ser levada à Procuradoria Geral da República no ano que vem, uma vez que uma 'licença para matar' emitida pelo Estado afrontaria a Constituição e a legislação penal Foto: Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil


Policiais que executarem sumariamente criminosos portando fuzis serão investigados e poderão ser denunciados por homicídio, ainda que o governador eleito, Wilson Witzel (PSC), autorize o "abate", alerta o procurador da República Eduardo Benones, coordenador do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal (MPF) no Rio. Segundo ele, a questão pode ser levada à Procuradoria Geral da República no ano que vem, uma vez que uma "licença para matar" emitida pelo Estado afrontaria a Constituição e a legislação penal.

"O artigo 121 do Código Penal, que trata de homicídio, está em vigor. Se o Ministério Público não investigar, baseado no discurso de quem quer que seja, é prevaricação. Não haverá qualquer tipo de retrocesso ou leniência. Quando chegar o caso concreto, quem vai avaliar não é o governador, é quem estiver investigando. Não se pode aproveitar o medo da sociedade e construir e impor uma narrativa", afirmou Benones em entrevista ao Estado.

O procurador investiga homicídios decorrentes de intervenção policial e trabalha pelo aprimoramento da atividade policial e pela prevenção de mortes de policiais e praticadas por eles. Para ele, este tipo de orientação só se sustentaria se houvesse um instrumento jurídico que a amparasse, ou até uma mudança constitucional, uma vez que a Carta considera o direito à vida fundamental. O governador eleito quer posicionar snipers em operações para atuar contra os bandidos com fuzil. Os atiradores receberiam ordens superiores antes de apertar o gatilho.

"As pessoas perderam a capacidade de raciocinar. Os meios não justificam nem santificam os fins. Neste caso, o meio é questionável e os fins não estão claros. Não há como controlar as consequências para o policial, nem mesmo o sniper. É injusto com o policial. Não existe licença para matar, isso é só em filme de James Bond", pontuou. "Ninguém está sugerindo que se deva esperar receber um tiro. Um policial, no ambiente operacional, se ver obrigado a intervir num flagrante é muito diferente de se posicionar atirador de elite".

Interceptar armas

Ele ressaltou que a necessidade de se interceptar as armas antes que elas cheguem às mãos dos traficantes é que deveria nortear as ações do Estado. "O discurso do medo muitas vezes leva à interpretação de que se está sendo benevolente com o traficante. A defesa que faço não é do bandido, é do Estado brasileiro. O absurdo não é ele estar portando um fuzil, é o Estado não conseguir interceptar a entrada do fuzil no Rio, pelo mar, terra e ar."

Para Witzel, policiais que participam de operações contra o tráfico "não podem ter dúvidas" na hora de atirar, e aqueles que matarem quem portar fuzis não devem ser responsabilizados "em hipótese alguma". Como o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), ele defende a excludente de ilicitude, livrando policiais de consequências criminais. Segundo ele, a autorização para o "abate" não aumentará a letalidade violenta no Estado - hoje, em 500 registros por mês, ou 16 assassinatos por dia.

"Não tem como excluir a ilicitude de antemão. Isso vale para o policial e para qualquer cidadão. A legítima defesa tem todo um regramento", ressaltou o procurador Benones.

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