Uma das principais apostas da agência espacial americana (Nasa) para o próximo ano é a missão Marte. Nos bastidores do que pode ser o próximo passo da humanidade na corrida espacial, na parte de pesquisa e operação, estão três brasileiros. E a colaboração não é de hoje.
A aterrissagem do robô Curiosity em Marte em 2012 contou com a ajuda de Ivair Gontijo. O mineiro chegou à Nasa em 2006 e há cinco anos trabalha pensando em Marte 2020. A ideia da missão prevista para ser lançada em julho do ano que vem é encontrar carbono no planeta, ainda na busca por sinais de vidas passadas.
Para chegar ao trabalho nos Estados Unidos, Gontijo teve de bater algumas vezes na porta da Nasa. "Não foi da primeira vez que me aceitaram", conta o mineiro. De acordo com ele, o convite para o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa - JPL, em inglês -, que fica na Califórnia, só aconteceu quando a estrutura procurava um profissional com o perfil específico dele e encontrou seu currículo no cadastro de uma conferência.
Nascido no interior de Minas, ele se orgulha da trajetória. "Sempre estudei em escolas públicas. Se até eu consegui isso, acho que está no alcance das pessoas. Depende de foco, plano de longo prazo e paciência."
Seu percurso incluiu um período de trabalho por três anos como administrador de uma fazenda, até se mudar para Belo Horizonte para se matricular em um cursinho pré-vestibular e conseguir a aprovação para cursar Física. O mestrado, depois disso, foi em Ótica, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o doutorado ocorreu na Escócia, em Engenharia Elétrica.
Depois de um pós-doutorado na Califórnia, Ivair Gontijo começou a trabalhar em indústrias de fibra ótica até chegar ao JPL, em 2006. "Existem milhares de americanos que querem meu trabalho. É preciso ter algo muito especial que eles estão procurando, que faça com que você vá resolver um problema para eles", avalia Gontijo.
Ele trabalha com um dos instrumentos que fará parte do mastro do veículo que será enviado a Marte. "Há uma quantidade enorme de detalhes, como garantir, por exemplo, que exista energia elétrica para o instrumento funcionar, que o software funcione e retorne os dados para a Terra. O número de testes é impressionante."
O instrumento no qual trabalha tentará detectar materiais orgânicos em Marte por meio de um laser de alta potência. "No Curiosity, já conseguimos determinar alguns elementos químicos, mas não sabemos a quê estão ligados para formar minerais. Os minerais têm capacidades diferentes de armazenar material orgânico", explica.
Rosaly Lopes é outra que trabalha no JPL, mas desde 1991. "Desde pequena eu queria trabalhar para a Nasa", conta. Ao ver campo limitado para a Astronomia no Brasil, nos anos 1970, ela foi estudar em Londres. Depois da graduação de Astronomia, ela se tornou PHD em geologia planetária e hoje é especialista em vulcanologia. "O que eu queria mesmo era trabalhar em pesquisa, na Nasa", afirma.
"É muito difícil um estrangeiro vir trabalhar direto em um laboratório como o JPL", conta Rosaly. Em 1989, ela foi fazer um pós-doutorado de dois anos na Nasa. "Comecei a conhecer pessoas no laboratório e me ofereceram um emprego na missão Galileu", conta. Depois, ela passou a se dedicar à missão Cassine, que estuda a geologia de Titã, a maior lua de Saturno.
Recentemente, a brasileira conseguiu verba de pesquisa para estudar se o material orgânico da superfície de Titã pode ter entrado para o oceano e se há sinal de vida desenvolvido que possa ter subido à superfície por vulcanismo. "Há pesquisas muito boas no Brasil, mas, em termos de geologia planetária, ainda estão no início", afirma Rosaly.
Além dos dois brasileiros, é possível encontrar nos corredores do JPL Daniel Nunes, também envolvido com a missão de 2020. Ele trabalha com pesquisa científica e operação de missões. Os cientistas ficam responsáveis pela elaboração de hipóteses sobre o funcionamento dos planetas, coleta e processamento de dados. Já os operadores de missão trabalham com os instrumentos usados, por exemplo, em uma missão a Marte, checando se os dados que estão sendo coletados em outro planeta chegam de forma correta à Terra.
Nunes diz que na época de cursar uma graduação a oferta de bacharelado em Astronomia no Brasil era limitada. "Só tinha a Universidade Federal do Rio", afirma ele, que passou por um processo seletivo de bolsa de estudos para cursar a graduação nos Estados Unidos. Entre o bacharelado e a pós-graduação, Nunes aplicou para um processo de estágio no JPL e passou um verão trabalhando com os cientistas da agência em 1997. "Depois, surgiu a oportunidade de voltar para o pós-doutadorado (na Nasa)", afirma.
"Um estudante que termina um bacharelado de Matemática, Física ou Engenharia - e até Biologia - pode se especializar na área espacial como pós-graduação. Não é condição sine qua non fazer o bacharelado em Astronomia", afirma Nunes. "Meu interesse é encorajar os jovens que querem uma carreira nessa direção. Eles devem correr atrás, mandar e-mail para pesquisadores onde quer que eles estejam. Pessoalmente gostaria de ver ciência e pesquisa no Brasil se desenvolvendo mais", afirma.
Dificilmente o Brasil terá no curto prazo um novo astronauta. Com orçamento de R$ 181 milhões para este ano - uma fração dos US$ 25,1 bilhões destinados à Nasa nos Estados Unidos para 2019 -, a Agência Espacial Brasileira (AEB) apresenta programas nos segmentos de solo, satélites e veículos lançadores, os foguetes. Não há, porém, nenhuma iniciativa para treinar um astronauta como o atual ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Marcos Pontes.
Confira a seguir trechos da entrevista que o coordenador de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da AEB, Rodrigo Leonardi, concedeu ao Estado.
No passado, o Brasil decidiu ter programa de voo tripulado e mandar um astronauta para uma missão no espaço. Um concurso público selecionou o hoje ministro Marcos Pontes. Em parceria com a Nasa, fizemos o treinamento, parte aqui e parte nos EUA. Depois, o programa foi cancelado e entramos em contato emergencial com a agência espacial russa, e ele teve oportunidade de realizar a missão em 2006. Pontes permaneceu alguns dias na estação espacial internacional e a missão foi um sucesso. Infelizmente, depois desse marco histórico, o programa foi descontinuado, e não tenho conhecimento de iniciativas de um novo programa de voo tripulado. Sequer temos solicitação para isso.
Nosso foco é desenvolver projetos espaciais que permitam criar serviços e aplicações de interesse para a sociedade, como o sensoriamento remoto. Temos um satélite em órbita há quatro anos e mais um para ser lançado no fim do ano, para monitorar o País. Entre os serviços oferecidos estão o monitoramento da Região Amazônica e das fronteiras, bem como de desastres naturais. Também devemos lançar em 2020 o primeiro satélite de sensoriamento remoto 100% nacional.
Já houve um pico no passado, mas, historicamente, a cada ano que passa recebemos um pouco menos de recursos do Orçamento. Em 2012, tivemos R$ 395 milhões, mais que o dobro do previsto para este ano.
1. Quais as diferenças e semelhanças entre a trajetória desses pesquisadores que hoje estão na Nasa e a sua?
No caso de astronautas - eu sou da classe 1998 de astronautas da Nasa -, existe um concurso publico específico. Outros profissionais, como engenheiros e pesquisadores, têm outros meios de entrada. Quanto ao trabalho, astronautas têm funções técnicas no espaço e no solo, segundo seu background. Eu, por exemplo, trabalhava com integração de sistemas.
2. O senhor pretende lançar ou retomar um programa espacial? Está satisfeito com as parcerias que temos hoje com a Nasa?
O Brasil tem um programa espacial em atividade, que será continuado e melhorado na medida do orçamento possível. A parceria com a Nasa será intensificada.
3. Há alguma possibilidade de o Brasil ter um astronauta no curto prazo?
A possibilidade de um astronauta profissional existe dentro de uma lista de prioridades, que inclui o Centro Espacial de Alcântara, orçamento, formação e reposição de profissionais, satélites e lançadores nacionais.