A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ação cautelar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para requisitar a íntegra do inquérito policial instaurado para apurar possíveis irregularidades na investigação dos assassinatos de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. As informações são disponibilizadas pela assessoria de comunicação do Ministério Público Federal (MPF) e a peça é sigilosa.
Com o pedido, Dodge quer assegurar o acesso a informações que possibilitem instruir Procedimento Preparatório de Incidente de Deslocamento de Competência (PPIDC), aberto em março do ano passado, logo após os homicídios.
O pedido cautelar encaminhado ao presidente da Corte, João Otávio de Noronha, para distribuição, tem como fundamento o fato de ter sido impedido o acesso da Procuradoria-Geral da República à íntegra ou à cópia do inquérito, embora o procedimento seja resultado de requisição apresentada pela própria procuradora-geral.
Instaurada em novembro do ano passado, a investigação teve como objeto a apuração de crimes como organização criminosa, fraude processual, exploração de prestígio, falsidade ideológica, entre outros.
Na época, Raquel Dodge requisitou a instauração do inquérito ao Ministério da Segurança Pública após ser informada da existência de indícios de obstrução à investigação do duplo homicídio.
As informações foram repassadas ao Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Norte por duas pessoas, uma delas que está no presídio federal em Mossoró, e que já foi ouvida pelo MPF.
O objetivo foi evitar que, por desvios e deficiências da investigação, inocentes pudessem ser culpados e os reais autores dos assassinatos fossem inocentados. A possibilidade foi denunciada nos depoimentos dos informantes.
De acordo com a assessoria de comunicação do MPF, a ação enfatiza que cabe exclusivamente à procuradora-geral da República verificar eventual pedido de deslocamento de competência das investigações. Segundo Raquel Dodge, o fundamento para este pedido ''só pode ser analisado diante de evidências que foram coligidas no inquérito instaurado para verificar se havia o desvio ou deficiência na investigação''.
Lembra ainda que a apreciação de pedido neste sentido cabe ao Superior Tribunal de Justiça e que, no caso concreto, há ainda indícios de envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro junto à Corte.
A ação cautelar traz um histórico da atuação da PGR desde a data dos assassinatos, em 14 de março do ano passado, como a instauração do Procedimento Preparatório - oficializada dois dias após os crimes - e a requisição para o inquérito cuja íntegra é solicitada na cautelar.
Informa ainda que, em setembro de 2018, as informações reunidas pelo MPF foram integralmente repassadas ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro pelo fato de as investigações dos homicídios serem conduzidas pelo Ministério Público Estadual. Menciona, também, o fato de a instituição ter apresentado, em março deste ano, denúncia contra Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz, apontados como os executores dos homicídios qualificados.
Raquel Dodge enfatiza que, passados quase seis meses da denúncia e praticamente um ano e meio dos crimes, não se têm notícias da identificação dos mandantes e nem de providências para a responsabilização criminal dessas pessoas.
''A impunidade dos mandantes é manifesta'', resume um dos trechos do documento. Complementa que várias perguntas seguem sem respostas e, em que pese o fato de ter requerido a instauração de inquérito para apurar eventuais falhas na investigação, a PGR não teve acesso às informações. Em julho, seguindo parecer do MP estadual, a 28ª Vara Criminal do Rio de Janeiro negou o compartilhamento do inquérito solicitado.
Para ela, a decisão judicial obstrui o conhecimento do promotor natural - neste caso, a PGR -, de eventuais indícios da autoria intelectual de pessoa com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça, inviabiliza o acesso à base empírica para formação do juízo de valor em suscitar incidente de deslocamento de competência perante o STJ.
Além disso, conforme destaca, a negativa de acesso aos dados de investigação coligidos por requisição da própria PGR ''mantém o grave estado atual de incerteza em relação aos mandantes do crime, tornando perene a conclusão de que a morte da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes foi mero crime de ódio''.
A vereadora pelo Rio de Janeiro Marielle Franco, do PSOL, foi morta a tiros no bairro do Estácio, região central da capital carioca, na noite desta do dia 14 de março do ano passado. Ela estava dentro de um carro acompanhada de um motorista, que também foi morto, e de uma assessora, quando teria sido abordada por outro veículo.
Eleita com 46,5 mil votos, a quinta maior votação para vereadora nas eleições de 2016, Marielle Franco estava no primeiro mandato como parlamentar. Oriunda da favela da Maré, zona norte do Rio, Marielle tinha 38 anos, era socióloga, com mestrado em Administração Pública e militava no tema de direitos humanos.