O presidente eleito do Uruguai, Tabaré Vazquez, que em seu primeiro governo proibiu o fumo em locais públicos, agora deverá concretizar a venda de maconha em farmácias estimulada pelo atual presidente, José Mujica, uma medida que vê com desconfiança.
Vázquez, um oncologista de 74 anos, que entre 2005 e 2010 foi o primeiro presidente de esquerda do país, derrotou no segundo turno de domingo por ampla diferença o candidato de centro-direita Luis Lacalle Pou, de 41 anos, do Partido Nacional.
Em 2006, Vázquez transformou o país de 3,3 milhões de habitantes no primeiro da América Latina a declarar-se livre da fumaça de cigarro, uma decisão que provocou uma disputa internacional entre o Estado uruguaio e a multinacional Philip Morris (PMI).
A empresa levou o caso em 2010 ao tribunal de solução de divergências do Banco Mundial, o CIADI, alegando que o Uruguai violara um acordo de proteção de investimentos assinado com a Suíça, onde a PMI tem sua sede.
A PMI questiona pontos da lei antitabaco, como a proibição de mais de uma apresentação da mesma marca e o aumento, até 80%, do espaço destinado nos maços para a advertência sobre os potenciais riscos do fumo.
A causa uruguaia tem o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de ONGs internacionais, que consideram o caso emblemático na luta mundial contra o cigarro.
- Herança complexa -
Para alguns a situação é contraditória, já que o mesmo país que proibiu o cigarro em locais públicos fechados (é possível fumar nas ruas) tenta regulamentar o mercado da maconha. As autoridades afirmam que a venda de cannabis não é uma liberalização, e sim um mercado com limites e controlado pelo Estado.
Mas os analistas concordam que a herança da maconha é um dos desafios que Vázquez receberá de Mujica.
"Pode ser um dos assuntos mais complexos para o futuro presidente", disse à AFP Rafael Piñeiro, cientista político e professor da Universidade Católica.
"Tabaré Vázquez nunca teria estimulado um projeto com as características do que foi defendido por Mujica", completou.
"De todas as formas, Vázquez é uma pessoa que não vai desentender os compromissos assumidos pela administração anterior. Pode introduzir reformas periféricas na regulamentação, mas não acredito em modificações muito significativas da política, exceto se encontrar problemas muito fortes de aplicação", disse.
Para Ignacio Zuasnábar, da consultoria Equipos Mori, o tema será complexo para Vázquez e seu governo, assim como para a Frente Ampla (FA) em seu conjunto.
"Primeiro porque os níveis de rejeição popular à lei permanecem inalterados, dois terços dos uruguaios são contrários à lei. E, em segundo lugar, pelas complexidades de implementação", explicou.
Zuasnábar considera, no entanto, que Vázquez pode mudar a lei em apenas alguns aspectos, porque a regulamentação está estabelecida no programa da Frente Ampla.
- Realizar correções -
Desde a aprovação da lei, inédita no mundo, que pretende regulamentar todo o mercado da maconha, da produção até a comercialização, a implementação é muito lenta.
No meio do ano foi aberto o registro para autocultivadores, no mês passado o de clubes de cultivo e ainda resta aplicar a parte mais polêmica da lei e a mais aguardada para avaliar o que o próprio Mujica considera um "experimento": a venda de maconha em farmácias, com um teto de 40 gramas mensais por usuário. Algo que é visto com certo receio pelo próprio Vázquez, que desde o lançamento da proposta, defendida por Mujica, recomenda o não consumo de maconha.
Em uma entrevista em outubro à revista 'Búsqueda', Vázquez afirmou considerar "incrível" a venda de maconha em farmácias, mas indicou que assim será "se a lei autorizar". Mas ele advertiu que pretende fazer "uma avaliação estrita e acompanhar de perto o impacto da lei na sociedade".
Algumas fontes do governo esperam que a maconha chegue às farmácias antes de 1º de março, data da posse de Vázquez. Uma fonte admitiu que a sucessão pode mudar o calendário da lei, mas destacou que não será fácil tentar derrubar a medida.