Vladimir Putin atacou de forma violenta nesta quinta-feira (3)a Turquia, afirmando que o país é dirigido por "uma quadrilha" que perdeu a "razão e o bom senso" ao derrubar um avião russo, uma traição que a Rússia "jamais esquecerá" e que, por isso, as autoridades turcas "vão se arrepender".
De forma quase imediata, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reagiu denunciando as "acusações imorais" da Rússia sobre o envolvimento de sua família no contrabando de petróleo do grupo Estado Islâmico (EI) e questionou a cumplicidade de Moscou neste tráfico.
Essa troca de acusações entre os dois presidentes ocorreu horas antes de o chefe da diplomacia russa, Sergey Lavrov, encontrar seu colega turco Mevlüt Cavusoglu em Belgrado, na primeira reunião entre altos funcionários russos e turcos desde a destruição, em 24 de novembro, pela aviação turca de um caça-bombardeiro russo perto da fronteira com a Síria.
"Jamais esqueceremos esta cumplicidade com os terroristas. Consideramos a traição como um dos piores e mais vis atos", declarou Putin durante seu discurso anual sobre o estado da nação.
"Jamais esqueceremos os que atiraram pelas costas contra nossos pilotos", ressaltou.
"Não entendo por que fizeram isto. Apenas Alá sabe (...) Vão lamentar o que fizeram".
"Parece que Alá decidiu castigar a quadrilha no poder na Turquia, privando-a de razão e bom senso", insistiu, sob os aplausos da assembleia reunida.
Vladimir Putin afirmou que não irá "brandir armas" nesta crise, mas prometeu novas represálias contra Ancara, já vítima de um embargo sobre seus produtos alimentícios e sanções contra empresas e ao setor do turismo.
O ministro russo da Energia, Alexander Novak, anunciou, por sua vez, que as negociações sobre o projeto de gasoduto TurkStream, que levaria o gás russo à Turquia, foram suspensas.
"Esta não é a última vez que iremos lembrá-los do que fizeram, nem a última vez que vão se arrepender do que fizeram", protestou Putin durante seu discurso onde a crise com a Turquia eclipsou as questões econômicas e sociais.
Ao fazer a distinção entre os líderes e o povo turco, "bom, trabalhador e talentoso", o presidente russo acusou novamente a classe política do país de "encher os bolsos" e proteger as atividades ilegais de EI na Síria.
O presidente turco não tardou a reagir, afirmando dispor de provas de envolvimento da Rússia no tráfico de petróleo do grupo jihadista.
"Temos provas. Vamos começar a revelá-las ao mundo", afirmou em um discurso ante sindicalistas em Ancara, citando principalmente o nome do empresário sírio George Haswani, "titular de um passaporte russo".
Propaganda soviética
Apesar da virulência da crise diplomática, uma pequena esperança de apaziguamento nas relações entre os dois países poderia se materializar com a reunião de quinta-feira entre Lavrov e Cavusoglu, à margem de uma reunião ministerial da OSCE na capital sérvia.
O chefe da diplomacia russa havia anunciado no dia anterior que iria encontrar o seu homólogo, a pedido deste último, na esperança de ouvir "algo de novo que já não tenha sido dito publicamente".
Até agora, as autoridades russas haviam rejeitado qualquer contato com os turcos.
As autoridades russas exigem, sem sucesso, um pedido de desculpas oficial de Ancara. Mas Erdogan reiterou nesta quarta-feira que a Turquia não responderá as reações "emocionais" da Rússia ao incidente, que provocou a morte de dois militares russos, as primeiras perdas do exército russo em solo sírio desde o início de sua intervenção em 30 de setembro.
Vladimir Putin já havia acusado Ancara na segunda-feira de "proteger" os combatentes do EI e de acobertar o tráfico de petróleo, que representa uma das principais fontes de renda do grupo extremista.
E foi ainda mais longe, assegurando que a decisão de abater o avião "foi ditada pelo desejo de proteger as rotas de circulação do petróleo para o território turco" e acusando diretamente Erdogan e sua família de estarem envolvidos neste tráfico.
Erdogan chegou a ameaçar as autoridades russas de represálias se continuassem a "espalhar calúnias", enquanto nesta quinta-feira, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, chamou as acusações russas de "propaganda soviética".
Washington, que tem apelado à "desescalada" entre Moscou e Ancara, negou na quarta-feira as acusações russas, afirmando "não haver provas" que sustentem as alegações.