O governo cubano descartou taxativamente, nesta quinta-feira, a implantação de reformas internas após a histórica visita do presidente Barack Obama e advertiu que persistem sérias divergências nas relações recém-restabelecidas com os Estados Unidos.
"Em nossa relação com os Estados Unidos não está na mesa de negociações, de modo algum, a realização de mudanças internas em Cuba, que são e serão da exclusiva soberania do nosso povo", garantiu o ministro cubano das Relações Exteriores, Bruno Rodríguez, em declarações pela televisão.
Em pronunciamento de mais de meia hora, Rodríguez lançou por terra qualquer expectativa em torno de eventuais reformas que o governo comunista pudesse empreender dentro de seu lento processo de abertura, em consequência da chegada de Obama.
"Ninguém poderia pretender que, para avançar para a normalização de relações entre os dois países, Cuba tenha que renunciar a um só de seus princípios, nem à sua política externa", afirmou o ministro das Relações Exteriores.
Obama, o primeiro presidente americano que visitará Cuba em 88 anos, prevê coroar com sua viagem o processo de reconciliação diplomática que começou no final de 2014 depois de mais de meio século de inimizade entre os dois países.
O chefe de Estado, que irá à ilha acompanhado da esposa, das sogras e das filhas, fará um discurso na terça-feira no Grande Teatro de Havana. O pronunciamento será transmitido ao vivo pela TV aos cubanos.
Obama seguirá na terça-feira para a Argentina, onde anunciará a "desclassificação" de novos documentos sobre o papel dos Estados Unidos durante a ditadura argentina (1976-1983), incluindo, pela primeira vez, arquivos militares.
Rodríguez recebeu com prudência, por sua vez, o novo pacote de medidas de alívio do embargo americano, anunciado esta semana por Washington. Apesar do restabelecimento da relação bilateral com a reabertura das respectivas embaixadas em 2015, o chanceler advertiu que persistem "grandes diferenças" entre os dois países.
"Devo, no entanto, reconhecer que persistem grandes diferenças entre o governo dos Estados Unidos e o de Cuba sobre sistemas políticos, democracia, direitos humanos, aplicação e interpretação do Direito Internacional", enfatizou.
Ele disse, ainda, que "há grandes diferenças em relação ao conceito da soberania nacional, profundas diferenças em relação à preservação da paz e à segurança internacional".
"Algo deve andar mal na democracia" dos EUA
Obama prevê se reunir com dissidentes cubanos. Em carta às Damas de Branco, uma organização opositora e ilegal na ilha, o presidente americano se comprometeu a tratar diretamente com Castro dos "obstáculos" ao exercício dos direitos humanos na ilha.
"Entendo plenamente os obstáculos que os cubanos comuns enfrentam para exercer seus direitos. Os Estados Unidos acreditam em que ninguém em Cuba, ou em qualquer outra parte, deve enfrentar ameaças, prisão, ou assédio físico simplesmente por exercer o direito universal de que suas vozes sejam ouvidas", escreveu.
O chanceler cubano não se referiu a este ponto em particular, mas criticou que funcionários americanos tenham apresentado as medidas de flexibilização do embargo como uma forma de "empoderamento do povo cubano".
"O povo cubano se empoderou há décadas. Algo deve andar mal na democracia americana, se se fala em empoderar outros povos", criticou.
Neste sentido, acrescentou que se os Estados Unidos querem "beneficiar" ou "ajudar o povo de Cuba" deveria suspender de uma vez o "bloqueio", após insistir em que as medidas de alívio são "positivas", mas "limitadas".
O pacote de dispositivos anunciado por Washington na terça-feira inclui novas facilidades para que os americanos viajem a Cuba, a importação de alguns produtos cubanos e maior acesso ao sistema financeiro americano.
A esse respeito, Rodríguez indicou que o governo está avaliando o alcance destes anúncios, principalmente no que diz respeito à autorização para que Cuba use o dólar em suas transações internacionais.
Só quando se comprovar que o sistema financeiro internacional permite à ilha o uso efetivo do dólar, as autoridades eliminarão a taxa de 10% aplicada à divisa americana que entra no país, anunciou o chanceler.
Este imposto implica em que, a cada dólar em espécie, o governo cubano paga 90 centavos de pesos conversíveis cubanos (CUC), a moeda "forte" que circula paralelamente com o tradicional peso cubano.
Apesar de reforçar as diferenças, Rodríguez assegurou que o governo ouvirá com "profunda atenção e respeito" as palavras de Obama.
"Certamente, vão-se expressar algumas diferenças, que também ouviremos com todo o respeito, sem renunciar às nossas posições", antecipou o chanceler.