O Greenpeace revelou nesta segunda-feira (2) documentos das negociações comerciais entre Estados Unidos e UE, que podem complicar ainda mais um acordo denunciado para colocar os interesses corporativos acima dos de saúde ou ambientais.
A Comissão Europeia não demorou a reagir, atribuindo as acusações a "mal-entendidos" e afirmando que a Europa "nunca rebaixará seu nível de ambição" em temas tão sensíveis.
Mais tarde, os Estados Unidos denunciaram as interpretações "enganosas" sobre o tratado.
"As interpretações que são feitas desses documentos parecem ser, no melhor dos casos, enganosas, e no pior, totalmente erradas", declarou um porta-voz da Representação americana de Comércio Exterior (USTR), em negociação com a Comissão Europeia.
O Greenpeace publicou em seu site 248 páginas de material confidencial sobre a Associação Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, em inglês), que se converteria no maior tratado planetário de livre comércio.
"Este tratado ameaça ter implicações a longo prazo para o meio ambiente e a saúde dos 800 milhões de cidadãos da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos", ressaltou o Greenpeace ao apresentar os documentos em Berlim.
Washington e Bruxelas pretendem alcançar um acordo neste ano, antes do fim do mandato do presidente Barack Obama, mas as negociações encontram cada vez mais reservas em ambos os lados do Atlântico.
Na Europa teme-se que o TTPI favoreça as grandes empresas, em detrimento das normas de proteção social, ambiental e de consumo. E nos Estados Unidos enfrenta uma crescente resistência protecionista.
O Greenpeace afirma que o texto prevê a supressão de normas europeias em áreas como as da alimentação ou a aprovação de produtos químicos perigosos, para facilitar o comércio bilateral.
"O TTIP é uma gigantesca transferência de poder dos cidadãos aos grandes negócios", afirmou o Greenpeace, que projetou imagens dos documentos secretos na fachada do Parlamento alemão.
"Pior que os prognósticos sombrios"
Segundo o Greenpeace, as páginas publicadas representam dois terços do projeto elaborado depois da última rodada de negociações, em abril, e cobrem uma grande quantidade de setores, da agricultura às telecomunicações, passando pela indústria automobilística.
O jornal alemão Sueddeutsche Zeitung, que recebeu os documentos com antecedência, afirmou que seu conteúdo "mostra que os temores dos adversários (do TTIP) não são infundados" e que "a realidade das negociações é pior que a destes prognósticos sombrios".
O jornal de Munique indica que os Estados Unidos dizem estar dispostos a flexibilizar a importação de carros europeus para obter contrapartidas para exportar mais produtos agrícolas à Europa, que podem incluir organismos geneticamente modificados (OGM).
O Sueddeutsche Zeitung - um dos jornais que publicou as revelações sobre os Panama Papers, relacionados à evasão fiscal em escala planetária - afirma que os defensores do TTIP "ignoram o conteúdo das negociações ou querem deixar o público no escuro".
O jornal aponta, em particular, uma cláusula do TTIP que permitiria às multinacionais recorrer a instâncias arbitrais privadas para demandar governos por supostos obstáculos à livre concorrência.
Bruxelas e Berlim afirmaram que a proposta ficou fora da agenda, mas o jornal garante que "isso não é verdade", já que "os Estados Unidos se negaram" a exclui-la das negociações e que o tema ainda não foi abordado seriamente.
"Mal-entendidos", segundo Bruxelas
A Comissão Europeia (o Executivo da UE) lamentou os vazamentos e atribuiu as polêmicas a "mal-entendidos".
"Nenhum acordo comercial da UE rebaixará o nível de proteção de nossos consumidores, da segurança alimentar ou do meio ambiente", declarou a comissária europeia de Comércio, Cecilia Malmstrom.
"Os tratados comerciais não modificarão nossa legislação sobre os OGM, sobre a maneira de fabricar carne bovina respeitando as normas de segurança, nem sobre a maneira de proteger o meio ambiente", acrescentou Malmstrom em uma nota publicada em seu blog.
Estes documentos "refletem as posições de cada parte, nada mais. E não deveria causar surpresas que existam trechos nos quais UE e EUA tenham diferentes pontos de vista", disse.
O chefe dos negociadores europeus, Ignacio Garcia Bercero, afirmou que algumas das declarações do Greenpeace sobre estes documentos "são errôneas".
"Os documentos não acrescentam nada às posições conhecidas da UE", afirmou.