Uma estrela das redes sociais cujas selfies sensuais causavam polêmica no Paquistão, um país muçulmano conservador, foi assassinada por seu irmão, em um suposto crime de honra, anunciaram autoridades neste sábado, causando choque e revolta.
Qandeel Baloch, idolatrada por muitos jovens do país por sua coragem de quebrar tabus, mas condenada por conservadores, foi estrangulada perto da cidade de Multan, segundo a polícia.
"Qandeel Baloch foi morta, estrangulada por seu irmão. Aparentemente, tratou-se de um crime de honra", disse o oficial Sultan Azam à AFP.
Qandeel, que tinha entre 20 e 30 anos e cujo nome verdadeiro era Fauzia Azeem, havia viajado com a família para o vilarejo de Muzzafarabad, na província de Punjab, para o feriado do Eid.
Ali, ela foi morta nesta sexta-feira (15), informou a polícia, assinalando que seu irmão, Wasim, havia fugido.
Cerca de 100 oficiais se concentravam em frente à residência da família em Muzzafarabad. Cinco ambulâncias estavam estacionadas nos arredores.
"Minha filha era inocente, nós somos inocentes, queremos justiça. Por que minha filha foi morta? ", questionou o pai da jovem, Azeem Ahmad.
A polícia registrou o caso como assassinato, contra o irmão da vítima, baseada em uma queixa por escrito de seu pai, em que ele acusa o filho de matar a irmã por motivo de honra, "porque queria que ela abandonasse o showbiz".
Centenas de mulheres são mortas por motivo de honra anualmente no Paquistão. Os assassinos não costumam ser punidos, por causa de uma lei que permite à família da vítima perdoar o agressor, que costuma ser um parente.
A cineasta Sharmeemn Obaid-Chinoy, cujo documentário sobre crimes de honra ganhou um Oscar este ano, classificou o assassinato de Qandeel como sintoma de uma "epidemia" de violência contra as mulheres no Paquistão.
Qandeel se tornou famosa no Paquistão em 2014, quando publicou um vídeo em que olhava para a câmera de forma sensual e perguntava como estava sua aparência.
Seu desafio às tradições e sua defesa de visões liberais lhe renderam vários admiradores entre a população jovem.
Mas em um país onde as mulheres lutam por seus direitos há décadas, e em que ataques com ácidos e crimes de honra são frequentes, ela também era rejeitada por muitos e costumava ser vítima de misoginia.
Qandeel causou polêmica no mês passado, ao posar para selfies com um clérigo, que foi severamente repreendido pelo Ministério de Assuntos Religiosos do país.
No começo do ano, ela prometeu fazer um striptease se a seleção de críquete do Paquistão vencesse a Índia em um campeonato, mas a equipe não conseguiu o feito.
Em entrevista ao principal jornal de língua inglesa do Paquistão, "Dawn", a jovem contou que foi obrigada a se casar aos 17 anos, com "um homem rude", com quem teve um filho e de quem acabou se divorciando.
Ela falou repetidamente em deixar o país por temer por sua segurança. Segundo o jornal, seu pedido de proteção policial foi ignorado.
Sharmeemn Obaid-Chinoy disse à AFP que o crime mostra que nenhuma mulher estará a salvo no Paquistão "até que comecemos a mandar para a cadeia os homens que as matam".
Sem arrependimentos
O irmão de Qandeel Baloch afirmou neste domingo (17) que não está arrependido de tê-la matado "por seu comportamento intolerável".
"Sim, certamente a estrangulei", confessou Muhammad Wasim em uma entrevista coletiva organizada pela polícia na cidade de Multan.
"Estava no primeiro andar, enquanto nossos pais dormiam no andar de cima. Eram 22h45 quando lhe dei um comprimido e a matei", descreveu Wasim, que disse ter agido sozinho.
Seu irmão foi preso ontem, após ser denunciado pelo pai, e, neste domingo, compareceu ao tribunal, ao qual deverá retornar na próxima quarta-feira para uma audiência.
Milhares de mulheres morrem anualmente no Paquistão em crimes de honra. Em muitos casos, os assassinos, que costumam ser parentes da vítima, não são punidos, porque a legislação permite que as famílias os perdoem.
O assassinato comoveu o Paquistão, e uma vigília foi realizada ontem em Lahore, enquanto uma petição por justiça já reuniu milhares de assinaturas.
A jovem foi enterrada neste domingo, perto da casa da família. Embora alguns a considerassem uma Kim Kardashian do Paquistão, outros acreditam que ela foi uma ativista que lutava pelos direitos das mulheres.
Em sua última publicação no Facebook, em 4 de julho, Qandeel dizia querer mudar "a típica mentalidade ortodoxa das pessoas", e agradeceu aos seguidores "por entenderem a mensagem que tento passar através de minhas publicações e vídeos ousados".
"Qandeel foi uma pessoa muito astuta, que sabia que o que fazia era algo maior do que ser a menina má mais amada no Paquistão", disse à AFP a ativista e jornalista Aisha Sarawari. "Seu assassinato representa um novo retrocesso para as mulheres da nossa geração", lamentou.
Benazir Jatoi, que trabalha na Aurat Foundation, ONG local que defende os direitos legais e políticos das mulheres, afirmou que "há muitos culpados pela morte de Qandeel".
"Ela representava muitas mulheres paquistanesas que morrem assassinadas por uma sociedade que dá carta branca para os homens", denunciou.