O Parlamento da Venezuela suspendeu, nesta terça-feira (1º), o julgamento sobre a responsabilidade do presidente Nicolás Maduro na crise do país, diante do início de um diálogo com o governo.
"Aprovado, concorda-se com adiar" os pontos da agenda desta terça, anunciou o chefe da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, ao explicar que não se trata de uma "capitulação" da oposição, mas da busca por uma solução para a crise.
No dia 23 de outubro, o parlamento da Venezuela havia aprovado uma resolução pedindo oficialmente à comunidade internacional uma intervenção para "proteger o direito dos povos à democracia por qualquer meio necessário". Os líderes da oposição também itensificaram a pressão nas ruas, incentivando uma série de protestos em todo o país contra o governo de Maduro.
Após a sessão legislativa, Ramos Allup também anunciou a suspensão de uma passeata convocada pela oposição para esta quinta-feira (3), a qual teria sua concentração final no Palácio Presidencial de Miraflores. Esse recuo foi decidido a pedido do Vaticano, que promove o início de um diálogo entre oposição e governo.
"Nos pediram que os eventos de marcha para quinta-feira sejam adiados. É sensato acatar", afirmou o parlamentar.
Em seu programa semanal de televisão, Maduro declarou "celebrar como resultado da instalação da mesa de diálogo que a oposição tenha adotado decisões sensatas". " Saúdo isto".
"Vi as declarações de Ramos Allup, muito boas declarações, o cumprimento por isto", disse o presidente.
"Oxalá isto seja o passo para que muito em breve a Assembleia Nacional reconheça o Tribunal Supremo de Justiça, acate suas sentenças e entre outra vez nos trilhos da legalidade e da constitucionalidade. Esse é o caminho. Se me convidarem para o debate, vou".
O líder da bancada opositora, Julio Borges, que apresentou a proposta de adiamento da Mesa de la Unidade Democrática (MUD), afirmou que eles esperam que o diálogo resulte no adiantamento das eleições presidenciais.
Segundo Borges, na instalação da mesa de diálogo, no domingo passado, a oposição apresentou também a proposta de que se liberte de opositores presos, que o Parlamento recupere "na plenitude" o seu poder e de nomeação de novas autoridades eleitorais, acusadas de servir ao governo e que suspenderam um referendo revogatório contra Maduro.
Acrescentou que a MUD propôs também ao Vaticano que "sejam estabelecidas urgentemente as medidas" para solucionar o desabastecimento de alimentos e remédios.
"Estamos dando ao Vaticano um voto de confiança, nós não acreditamos no governo. Todo o nosso esforço é feito em função de que nosso povo possa votar", manifestou Borges.
Segundo Ramos Allup, a libertação de todos os opositores presos, exceto Leopoldo López, é negociada com base no diálogo com o governo.
"No caso de Leopoldo López ele sequer pediu por sua libertação. Leopoldo não quer medidas substitutivas, quer a liberdade plena, porque ele é inocente", disse Ramos Allup aos jornalistas.
Ramos Allup assinalou que entre os detidos que poderão ser soltos em breve estão o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, o ex-dirigente estudantil Yon Goichoechea e os deputados suplentes Rosmit Mantilla, Enzo Prieto e Gilberto Sojo.
A MUD, que se dividiu ante o diálogo, visto que 16 dos seus partidos consideraram que não havia as condições para que este acontecesse, tomou a decisão unânime de adiar o julgamento.
"Fazemos votos de que este adiamento não seja eterno. Respeitamos e aceitamos a opinião da maioria dos nossos companheiros", afirmou o deputado Freddy Guevara, do partido Voluntade Popular - fundado pelo encarcerado Leopoldo López -, que escolheu ficar à margem do diálogo.
Embora os deputados opositores o tenham qualificado como "julgamento político", essa figura não existe na Constituição, de modo que não se pode fazer um impeachment de Maduro, como ocorreu em agosto contra a presidente do Brasil, Dilma Rousseff.
"Não é suficiente adiar este ponto, que reconhecemos como uma decisão corajosa. Devem renunciar a qualquer via inconstitucional para resolver a crise", manifestou ao tomar a palavra o chefe da bancada do governo, Héctor Rodríguez.
A Justiça, acusada pela oposição de estar à mercê do governo, declarou o Parlamento em "desacato" e que suas decisões serão consideradas nulas.
Enquanto a MUD revisa sua agenda de pressão sobre o governo, os chavistas mantém seus atos de contramanifestação e partidários de Maduro caminharam nesta terça-feira até a sede do Poder Legislativo.
"Não vamos permitir que a direita venezuelana, com o apoio do império norte-americano, faça um julgamento do nosso presidente como fizeram com Dilma. Isso não é Brasil", declarou Marco Tulio Díaz, um dirigente operário, do lado de fora da Assembleia.
Maduro havia ameaçado prender quem abrisse um julgamento inexistente na lei, enquanto deputados chavistas solicitaram à Justiça que declare inconstitucional essa iniciativa parlamentar.
Seis países sul-americanos - Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Paraguai e Uruguai - manifestaram nesta terça-feira (1º) sua esperança de que o diálogo entre governo e oposição dê frutos em "um prazo razoável".
Os países "expressam sua esperança de que esse diálogo alcance resultados concretos em um prazo razoável" para acabar com a complicada situação política e social na Venezuela, segundo um comunicado conjunto divulgado pela Chancelaria chilena em Santiago.
Além disso, reiteraram seu apoio à participação de representantes do Vaticano e de ex-presidentes enviados pela União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e "exortam a que estimulem as partes a concretizar avanços e gestos de aproximação o mais rápido possível e a evitar todo ato de violência e ameaças ao processo em marcha".
A crise política se agravou na Venezuela em outubro, após decisões judiciais que cancelaram o recolhimento de assinaturas para a ativação do referendo revogatório do mandato de Maduro.
Segundo pesquisa Venebarómetro, Maduro é rejeitado por 76,4% da população e 67,8% dos venezuelanos querem sua saída do poder.