Milhares de opositores venezuelanos exigiram nesta quinta-feira (20), em Caracas, a saída do poder do presidente Nicolás Maduro, durante uma marcha dispersada pela tropa de choque com bombas de gás lacrimogêneo na terceira semana de protestos violentos que deixam oito mortos.
Agentes anti-distúrbios e manifestantes se enfrentaram em uma intensa troca de bombas de gás lacrimogêneo, pedras e coquetéis molotov em Chacaíto, El Rosal e outros setores em vias de acesso à autoestrada estratégica Francisco Fajardo, que terminou com vários feridos e afetados pelo gás.
Após conseguir dispersar o protesto, a polícia e a militarizada guarda nacional usaram veículos blindados que disparavam gás lacrimogêneo e jatos d'água, chamados popularmente de rinoceronte e baleia, na direção de um grupo de jovens que os enfrentavam com os rostos cobertos com lenços e gorros.
"Não me importa engolir gás, não me importa morrer, mas temos que sair desta merda de governo assassino e repressor", disse à AFP Natasha Borges, de 17 anos, em meio ao caos.
Um helicóptero da polícia sobrevoava a área. Barricadas de lixo eram queimadas em diferentes pontos e algumas pessoas destruíram um outdoor para usar os restos de trincheira.
Gritavam palavras como “liberdade”, mas também insultos, como “malditos” e “covardes” aos policiais, protegidos com coletes, capacetes e escudos anti-distúrbios.
Em um episódio singular, um manifestante nu, usando apenas meias e tênis, caminhou em meio a uma nuvem de gás, subiu em um tanque militar, enquanto gritava: "Não atirem mais bombas".
Os principais distúrbios foram registrados em Caracas, embora também tenham sido reportados nas cidades de Maracaibo (noroeste), Valencia (centro) e San Cristóbal (oeste), um dia depois da mobilização multitudinária de quinta-feira, que deixou dois jovens e um militar mortos.
A oposição convocou duas novas manifestações: "a marcha do silêncio", até as sedes da Conferência Episcopal em todo o país, no sábado, e "o trinco nacional", com o bloqueio de estradas, na segunda-feira.
Os manifestantes opositores, que exigem eleições gerais, não conseguiram chegar ao centro de Caracas, reduto do chavismo, onde Maduro liderou na quarta-feira uma concentração em massa de seus seguidores e nesta quinta-feira participa de uma reunião na instalação militar Forte Tiuna, no oeste da capital.
"Há cansaço, mas temos que ter coragem. Eu estou disposto a sair às ruas todos os dias se for necessário", declarou à AFP Aquiles Aldazoro, um universitário de 22 anos, que levava um cartaz escrito: "aquele que não se move não escuta o barulho de suas correntes".
Segundo a ONG Foro Penal, além das vítimas fatais, dezenas ficaram feridos e, contando com os protestos anteriores, há mais de 500 presos.
Na noite desta quinta-feira, Maduro acusou a oposição pelo morte de uma jovem e de um militar durante os protestos da véspera, e prometeu levar à Justiça o líder opositor Henrique Capriles.
"Uma jovem foi assassinada por um dirigente de um partido da MUD [Mesa da Unidade Democrática, a coalizão opositora] que atirou (...). Imediatamente, a mídia mundial e este lixo chamado Capriles saiu a culpar a Guarda Nacional".
"Autorizei que se meta uma ação (...) contra este senhor (Capriles) por acusar (falsamente). Tem que ir preso por sua injúria, sua difamação e por todos os crimes que cometeu", disse Maduro.
A União Europeia condenou os atos de violência e pediu uma "diminuição" do conflito. A Anistia Internacional alertou para a "repressão" e o presidente argentino Mauricio Macri lamentou "que não tenham atendido o pedido da região de garantir uma jornada pacífica.
"Pedimos gestos concretos de todas as partes para reduzir a polarização e criar as condições necessárias para abordar os desafios do país em benefício do povo venezuelano", afirmou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres.
A onda de protestos começou em 1º de abril, após as sentenças do máximo tribunal eleitoral, que retiraram a imunidade do Parlamento, único poder público controlado pela oposição.
Maduro, a quem a oposição acusa de afundar o país em uma das piores crises econômica e política de sua história, assegura que os protestos buscam derrubá-lo com o apoio dos Estados Unidos e realizar uma intervenção militar na Venezuela.
Seu aliado, o presidente boliviano Evo Morales, acusou Washington de planejar a derrubada de Maduro, cujo mandato termina em 2019.
Maduro diz querer logo a chegada das eleições para derrotar a oposição. As de governadores deveriam ter sido realizadas em 2016, mas foram suspensas e ainda não têm data. As de prefeito estão marcadas para este ano e as presidenciais para dezembro de 2018.
Segundo as pesquisas, sete em cada dez venezuelanos reprovam o governo, sufocados pela crise econômica, com uma severa escassez de alimentos e remédios, e uma inflação - a mais alta do mundo - que o FMI estima em 720,5% para este ano.
"A estratégia do governo parece ser se manter no poder a qualquer custo e evitar que haja eleições, porque a crise o tornou bastante impopular", opinou Moya-Ocampos.
A oposição afirma que a Maduro resta o apoio da cúpula da Força Armada, a quem deu enorme poder econômico e militar e que recebeu em troca "lealdade incondicional".
Maduro assegura que seu governo é vítima de uma "ciber-guerra" e acusou a empresa espanhola de telefonia celular Movistar de colaborar com a "convocação golpista"; enquanto isso, a automotiva General Motors informou ter encerrado suas operaçoes na Venezuela depois que o governo confiscou uma fábrica da empresa.