Justiça pode destituir Procuradora-geral que desafiou Maduro

Luisa Ortega se tornou a voz mais dura contra o presidente Nicolás Maduro
AFP
Publicado em 04/07/2017 às 16:25
Luisa Ortega se tornou a voz mais dura contra o presidente Nicolás Maduro Foto: Foto: Juan Barreto/AFP


A Procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega, a funcionária chavista de maior escalão a se rebelar  contra o presidente Nicolás Maduro, se negou a comparecer nesta terça-feira diante do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e está prestes a ser destituída.

"Não compareci, não vou convalidar com um circo que tingirá nossa história com vergonha e dor, e cuja decisão está cantada", anunciou Ortega à imprensa no Ministério Público, acompanhada por procuradores e outros colaboradores.

Na ausência da procuradora, o plenário do TSJ realizou uma audiência de quase três horas e estabeleceu um período de cinco dias para determinar se ela cometeu "faltas graves" para ser removida.

"Não cometi crimes nem faltas e não irei me submeter a este tribunal inconstitucional e ilegítimo", declarou Ortega, afirmando que buscam calá-la para que não continue dizendo "verdades como que na Venezuela há uma ruptura da ordem constitucional".

Diante dos juízes, o deputado Pedro Carreño argumentou a sua solicitação de julgamento de denúncia de mérito contra a procuradora, a quem acusa de "mentir" ao afirmar que não deu seu aval à eleição de 33 magistrados feita em 2015 pelo Parlamento anterior, de maioria chavista.

"Ela vendeu a alma ao diabo [...] teve preço, agiu como traidora, como Judas, que foi comprado por 30 moedas de prata", disse Carreño, apoiado na sessão pelo defensor público, Tarek William Saab, e pelo auditor fiscal Manuel Galindo, ambos chavistas.

Carreño pediu ao TSJ que avalie a saúde mental de Ortega e na semana passada conseguiu que o máximo tribunal a proibisse de sair do país e congelasse suas contas e bens.

Apoiada pelos chavistas críticos a Maduro, Ortega se tornou a voz mais firme contra o presidente, fazendo-o responsável por quebrar a "ordem constitucional" por meio de sentenças do TSJ que atentaram contra o Parlamento, hoje sob controle da oposição.

Polêmica substituta

Pouco antes da audiência, o TSJ nomeou como vice-procuradora a advogada chavista Katherine Harrington, acusada pelos Estados Unidos de violar os direitos humanos, e que substituirá Ortega se for destituída.

"Já sabemos que desde o dia de hoje vão operar a minha remoção. Se o TSJ decidir me retirar do cargo, não restará outra [pessoa] a colaborar para restabelecer a democracia", lamentou Ortega.

A arremetida do governo contra ela esquentou ainda mais a crise política do país.

"É claro que o TSJ fará uma nova violação a nossa Constituição. Com esta ação ficará aberto o caminho para aniquilar por vias violentas o descontentamento popular", afirmou a procuradora.

A oposição, que nesta terça-feira realizou bloqueios nas ruas e que novamente acabaram em distúrbios, reiterou seu apoio a Ortega e chamou a vice-procuradora de "usurpadora".

"Em qualquer país onde exista um vislumbre de justiça, ao invés de [ser] vice-procuradora, estaria presa por [cometer] crime", assegurou o deputado opositor Henry Ramos Allup.

Uma destituição de Ortega "radicalizará a crise" e deixará mais evidente "o uso político do TSJ e a fissura no bloco de poder", disse à AFP o jurista José Ignacio Hernández.

Somente o Parlamento tem faculdade para removê-la, mas as suas decisões são ignoradas pelo TSJ, que o considera em desacato desde que a oposição assumiu seu controle, em janeiro de 2016.

"Sim, fiz e continuarei fazendo"

A procuradora foi acusada no TSJ após expressar o seu rechaço a uma Assembleia Constituinte convocada por Maduro.

"Me acusam de atacar as decisões do presidente de convocar uma Constituinte. Sim, fiz e continuarei fazendo porque essa convocação viola a Constituição", declarou Ortega.

Em alusão à procuradora, mas sem nomeá-la, Maduro advertiu na segunda-feira que no domingo começa a campanha pela Constituinte "deixando, assim, milhares de traidores". E a oposição convocou um plebiscito simbólico para 16 de julho, duas semanas antes da eleição dos legisladores.

Nesta terça-feira, Maduro tachou o plebiscito como ilegal. "Ninguém pode pretender convocar consultas públicas que tenham caráter vinculante violando a Constituição por sua conta", disse durante uma reunião com governadores e prefeitos.

Afirmou também que as consultas só podem ser organizadas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), o que não acontecerá com a votação proposta pela opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).

"Se tivermos vontade de convocar qualquer consulta e impô-la [...], vamos perguntar se Julio Borges [presidente do Parlamento] deve ir preso e então votamos em uns papeizinhos e resultado: Julio Borges preso!" - disse Maduro.

"E isso é legal, é constitucional?! Uma sociedade deve reger o seu destino com base no respeito das leis", acrescentou.

Sobre a Constituinte - que segundo os membros do governo será um "superpoder" com faculdade de anular o Parlamento e de destituir a procuradora - Ortega considera que viola a democracia e destrói o legado do falecido presidente Hugo Chávez.

A procuradora considerou o julgamento de denúncia como um "golpe de Estado mais grotesco" do que o do empresário Pedro Carmona, que anulou os poderes públicos na breve intentona contra Chávez em 2002.

Para o cientista político Luis Salamanca, Ortega quer retirar do governo "a legitimidade dada por Chávez". "Por isso, tentará sair do jogo. O grande perigo que Maduro corre é que se 'orteguize' [fissure mais] o que resta do governo", disse Salamanca à AFP.

A Associação Internacional de Procuradores (AIP) condenou "sem reservas as ações arbitrárias lançadas contra" Ortega na Venezuela.

A AIP, com representantes em 170 países, exigiu das autoridades o "restabelecimento imediato de todas as funções" do Ministério Público e a garantia "da segurança pessoal" de Ortega.

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