Uma viagem de 925 quilômetros de barco e depois, vencida, de forma oficial ou não, a fronteira entre a Venezuela e o Brasil, três dias de caminhada até Boa Vista, capital de Roraima. Essa é a travessia que muitos indígenas venezuelanos integrantes do povo Warao fazem para passar a viver em território brasileiro. Tanto sacrifício é alimentado por um motivo principal: a fome. Segundo pesquisa divulgada hoje (12) pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), esse é o principal argumento dos Warao quando perguntados sobre os motivos que os levaram a migrar.
Para chegar a esse diagnóstico, estudiosos da Cátedra Sérgio Vieira de Melo da Universidade Federal de Roraima (CSVM/UFRR) fizeram pesquisa etnográfica com famílias e líderes Aydamos dos Warao nas cidades de Boa Vista e Pacaraima, no estado de Roraima. A análise integra a pesquisa Perfil Sociodemográfico e Laboral dos Imigrantes Venezuelanos, que foi lançada nesta terça-feira.
Coordenada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), com apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), a mostra também a situação dos venezuelanos não indígenas. Em comum aos grupos, o fato de serem formados majoritariamente por pessoas do sexo masculino e a expectativa de encontrar oportunidades no Brasil.
O fluxo migratório dos warao começou em 2014. Desde 2016, quando foi criado o Centro de Referência ao Imigrante (CRI), no estado de Roraima, que tem concentrado a recepção de migrantes venezuelanos, a maior parte dos indígenas tem passado a viver no centro, que agrega 500 pessoas. Lá, a situação é difícil.
O estudo aponta que há conflitos entre os indígenas e entre indígenas e não indígenas, superlotação e infraestrutura deficitária. Além disso, a vida no centro representa uma mudança cultural para uma população que tem grande vinculação com seus territórios tradicionais. Ainda assim, mais uma vez, a necessidade fala mais alto. A maior parte dos warao aponta como aspecto positivo do CRI o fato de oferecer alimentação diária.
Segundo o estudo, a maior parte dos warao do sexo masculino que vive no centro não exerce atividades econômicas, já as mulheres desenvolvem trabalhos como costura, produção de artesanatos e solicitação de ajuda em vias públicas. Na instituição, os indígenas têm acesso a serviços públicos, como saúde e educação.
O mesmo não ocorre com os cerca de 130 waraos que vivem em situação de rua no município de Pacaraima (RR). Eles estão nessa condição por não terem chegado à capital do estado, Boa Vista, ou por não terem fixado residência nela. De forma precária, os homens warao trabalham com descarregamento de carretas. A inserção das mulheres é menor em Pacaraima. Além desse grupo de indígenas que vivem nas ruas desta cidade, os pesquisadores encontraram outras famílias da etnia, com cerca de 35 pessoas cada, morando em espaços diferentes da rodoviária de Boa Vista.
Há três anos, sequer havia registro da presença desse povo no Brasil. Diante de tal cenário, o diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional do Índio (Funai), Rodrigo Faleiro, disse que a presença dos warao traz à tona outra realidade à política indigenista brasileira, pois não se trata de reconhecimento de sua existência ou de demarcação de um território, mas da necessidade de desenvolvimento de políticas de assistência. “A condição indígena é singular até pela própria situação documental deles já na Venezuela”, pois muitos não possuíam documentos, o que dificulta o processo de formalização da sua presença no Brasil, exemplificou.
A pesquisa registra ainda as expectativas dessa população em relação ao projeto migratório e aponta que a maior parte tem o objetivo de enviar recursos para os familiares que permaneceram na Venezuela e que “é constante a preocupação com os entes familiares, [que eles] lamentam a falta de informações sobre os que ficaram e expressam a vontade de trazê-los para o Brasil”.
Para o futuro, conclui o estudo, os warao esperam retornar para a Venezuela após a crise política e econômica diminuir para buscar as famílias e refazer o agrupamento dela em Roraima, onde a maior parte pretende ficar.