Ex-diretores da Ford julgados por torturas na ditadura argentina

Os ex-diretores da montadora permitiram o sequestro de mais de 20 funcionários de uma fábrica da empresa, em Buenos Aires
AFP
Publicado em 19/12/2017 às 16:19
Em 31 de março de 1964, aconteceu o Golpe de Estado no Brasil Foto: DANIEL GARCIA/AFP


Ex-diretores da montadora Ford na Argentina começaram a ser julgados nesta terça-feira (19) por permitir o sequestro de 24 funcionários de uma fábrica da empresa americana em Buenos Aires durante a ditadura (1976-1983).

Trata-se de um julgamento emblemático pela cumplicidade do âmbito empresarial nos crimes da ditadura argentina, e que condenou centenas de militares, policiais e civis.

As vítimas eram operários da fábrica da Ford localizada em Pacheco, um subúrbio ao norte de Buenos Aires, alguns deles líderes sindicais.

Os funcionários foram presos por forças militares enquanto faziam seu trabalho dentro da fábrica entre 24 de março de 1976, data do golpe de Estado, e agosto desse ano.

Foram retidos em um local de descanso para os operários, onde as vítimas apanharam e foram torturadas por 12 horas, segundo testemunhas que do caso.

Depois foram levados a delegacias e, mais tarde, alojados em prisões à disposição do Poder Executivo.

Os acusados são o ex-gerente de Manufatura da Ford Pedro Müller, o ex-chefe de Segurança da fábrica em General Pacheco Héctor Francisco Sibilla, e o ex-chefe do Corpo IV do Exército Santiago Omar Riveros.

O presidente da empresa na época, Nicolás Enrique Courard, e o gerente de Relações Trabalhistas, Guillermo Galarraga, já faleceram.

Os acusados estão presentes na primeira audiência, realizada em um tribunal federal de San Martín, na periferia norte da capital argentina, e o processo deve durar meses.

Alguns dos 24 sequestrados eram líderes sindicais.

 Dois anos preso 

"Militares uniformizados me sequestraram no meu ponto de trabalho. Eu estava pintando. Me torturaram durante 12 horas, das 11h00 às 23h00", conta à AFP Carlos Propato, de 69 anos, que trabalhou na fábrica de 1970 a 1976.

Propato era líder sindical. "De lá fomos levados à delegacia. Ficamos lá 40 dias com tortura quase diária, fome, sujeira. Perdi um olho e fraturaram uma vértebra", relembra.

No total, passou dois anos na prisão e quer justiça. "A fábrica da Ford em Pacheco foi um centro de detenção e tortura. Da Ford nunca recebemos nada, nem uma palavra, uma carta. Nada de nada", afirma.

Os militares envolvidos foram acusados de sequestro, coerção ilegal e ameaça. Müller, de 86 anos, e Sibilla, de 91 anos, são acusados de cumplicidade por terem facilitado os meios necessários para cometer os crimes.

"Os 24 foram presos por ordem da empresa. Quarenta anos depois é importante que haja justiça", disse Propato.

Enquanto estavam sequestrados, suas famílias receberam da Ford telegramas intimidando-os a se apresentar aos seus postos de trabalho, e mais adiante telegramas de demissão.

A ação sustenta que os responsáveis da Ford desempenharam um papel-chave na identificação dos funcionários que tinham atividade sindical, colocaram à disposição a fábrica da empresa e permitiram que ali montassem uma sala de tortura, além de facilitar os veículos para transferir as vítimas à prisão.

"Qual era o meu crime? Apenas reclamar os direitos dos trabalhadores", afirma Carlos Propato.

Uma fonte judicial próxima ao caso considera que se os 24 trabalhadores "não foram eliminados, foi porque não representavam um perigo para os critérios militares. Apenas os castigaram por sua ação sindical", considerou.

Desde 2005, quando caíram as leis de impunidade, centenas de torturadores e repressores foram julgados, entre eles o ex-hierarca Jorge Rafael Videla, condenado e falecido na prisão em 2013.

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