Bernard Law, de influente cardeal a símbolo de escândalo de pedofilia

Apesar de tantas denúncias de que o cardeal Law teria acobertado casos de abuso sexual cometidos por padres, ele nunca foi processado
JC Online
Publicado em 20/12/2017 às 14:44
Apesar de tantas denúncias de que o cardeal Law teria acobertado casos de abuso sexual cometidos por padres, ele nunca foi processado Foto: Foto: AFP


 

Envolvido em um enorme escândalo de padres pedófilos nos Estados Unidos, o cardeal americano Bernard Law faleceu nesta quarta-feira (20), aos 86 anos.

Sua morte provocou reações amargas das vítimas e um pedido de desculpas por parte de seu sucessor.

No início de 2002, o cardeal Law, na época arcebispo de Boston, reconheceu ter protegido o então padre Paul Shaney, sobre quem pesavam várias provas de abuso sexual contra crianças.

Ele também foi acusado de ter transferido o padre John Geoghan, de paróquia em paróquia, apesar de saber que era suspeito de ter abusado de 130 crianças.

Após o escândalo, Law abandonou a arquidiocese de Boston, mas foi nomeado arcipreste da basílica de Santa Maria Maggiore, o que significa que integrava a Cúria Romana (governo do Vaticano).

Em 2002, uma investigação do jornal "Boston Globe" revelou como a hierarquia da Igreja Católica local, com o cardeal Law à frente, acobertou de forma sistemática, e geralmente cínica, os abusos sexuais cometidos por quase 90 padres de Boston e seus arredores durante várias décadas.

A série de reportagens rendeu o prestigioso Prêmio Pulitzer ao jornal.

O papa Francisco lamentou nesta quarta-feira a morte de Law em uma mensagem na qual evitou mencionar o escândalo. "Elevo orações ao Senhor para que, rico em misericórdia, possa recebê-lo na paz eterna", escreveu em um telegrama publicado pelo Vaticano.

Uma importante associação de vítimas de abusos cometidos por sacerdotes, The Survivors Network of Those Abused by Priests, reagiu com amargura, apontando a dupla traição do Vaticano, que o recebeu em Roma.

"Não há palavras para expressar a dor que os sobreviventes e seus familiares sofreram", disse Joelle Casteix, chefe regional da associação. "Só podemos esperar que o Vaticano tenha em conta os sobreviventes no momento do seu funeral".

Grandes escândalos de pedofilia agitaram a Igreja católica no início dos anos 2000, do México à Alemanha, passando pela Irlanda, onde um único padre reconheceu ter abusado sexualmente de mais de 100 crianças.

Mil vítimas em 60 anos

O sucessor de Law à frente da diocese de Boston, Sean Patrick O'Malley, reconheceu que sua morte "provoca uma mistura de emoções" e ofereceu às vítimas "minhas desculpas sinceras pelo mal causado, minhas orações e minha promessa de que o arcebispado vai lhes apoiar", segundo um comunicado.

O'Malley, um franciscano de reputação íntegra, também foi nomeado chefe de uma comissão do Vaticano encarregada há três anos de fazer recomendações para prevenir casos de pedofilia. Esta comissão, que acaba de concluir seu mandato, deve ser renovada nas próximas semanas.

O prelado recebeu algumas vítimas de padres pedófilos no dia de sua posse, em 1º de julho de 2013. Uma de suas primeiras decisões foi vender a residência do arcebispo para arrecadar dinheiro para o pagamento de indenizações.

Nascido em 4 de novembro de 1931, na cidade mexicana de Torreón, e filho de um coronel da Força Aérea americana, Law cresceu em bases militares.

Estudou História Medieval na Universidade de Harvard. Começou estudos religiosos em 1953 e foi ordenado sacerdote no Mississippi em 1961.

A polêmica o acompanhou após sua renúncia como arcebispo de Boston por ter obtido a nacionalidade vaticana e ter sido nomeado arcipreste de Santa Maria.

Dois representantes das vítimas de pedofilia protestaram na Praça São Pedro contra a celebração de uma missa em memória do papa João Paulo II pelo cardeal Law.

A diocese de Boston tem mais de dois milhões de católicos. Durante 60 anos, mais de 1.000 crianças foram abusadas sexualmente por 237 sacerdotes, de acordo com um relatório do Departamento de Justiça do estado de Massachusetts.

O papa Francisco declarou "tolerância zero" com os casos de pedofilia, mas foi acusado de ser muito brando com os pedófilos ao incluí-los na política geral de misericórdia que promove em toda Igreja.

Também foi acusado de promover bispos acusados ??de encobrir religiosos pedófilos.

O cardeal australiano George Pell, número três do Vaticano, foi indiciado no final de junho por "crimes de agressões sexuais", de acordo com a Polícia australiana.

Ele foi afastado do cargo "provisoriamente" para enfrentar a Justiça de seu país. Cerca de 50 testemunhas poderiam ser convocadas em março para audiências em Melbourne para determinar se Pell deve ser julgado por agressão sexual.

Nomeado arcebispo de Melbourne em 1996 e de Sidney em 2001, Pell foi acusado em 2002 de abuso sexual por eventos supostamente muito antigos, mas foi absolvido pela Justiça.

O papa Francisco o nomeou em 2014 para dar maior transparência às finanças do Vaticano.

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