O Senado da Argentina discutia nesta quarta-feira (8) a legalização do aborto, ao final de cinco meses de um intenso e acalorado debate que se estendeu do Parlamento para as ruas.
A espera do resultado, que se antecipa negativo, manifestantes pró e contra a legalização se concentravam em torno do Congresso, em Buenos Aires, separados por duas linhas de grades.
Os lenços verdes identificam os favoráveis ao "direito de escolher" enquanto o azul celeste representa os contrários à legalização.
Em várias cidades da América Latina, como Rio de Janeiro, Lima, Santiago e Cidade do México, grupos favoráveis à legalização do aborto se manifestaram diante das representações diplomáticas da Argentina.
Na noite desta quarta-feira, o arcebispo de Buenos Aires, Mario Poli, oficiou uma missa na catedral de Buenos Aires, exibida em um telão na Praça de Maio, a um quilômetro da sede do Senado.
Caso seja aprovado, a Argentina - do Papa Francisco - será o terceiro país da América Latina a legalizar o aborto, ao lado de Cuba e Uruguai. A interrupção da gravidez também é permitida na Cidade do México.
Totalmente proibido em El Salvador, Honduras e Nicarágua, nos demais países da região o aborto é permitido diante do risco de vida para a mulher, em caso de estupro ou se a existência da criança é inviável.
A sessão no Senado começou às 10H30 local e o debate deve prosseguir pela madrugada de quinta-feira.
A pressão aumenta no momento em que surgem versões de que a maioria dos senadores rejeitará o projeto, aprovado em junho pela Câmara dos Deputados por 129 votos contra 125 e uma abstenção.
Dos 72 senadores, estima-se que 38 votarão contra a legalização. No caso de empate, a presidente do Senado e vice-presidente da Nação, Gabriela Michetti, emitirá o voto decisivo, no caso um "não".
Setores favoráveis ao aborto avaliam convocar um referendo caso a iniciativa seja rejeitada.
"Quando uma Câmara opina de um modo e outra pensa de forma diferente, revela que a representação do povo está dividida. Isto justifica, talvez, um sistema de decisão de democracia direta, como prevê a Constituição, através de consulta vinculante. É possível propormos isto", disse Daniel Lipovetzky, deputado governista do partido Cambiemos.
Celeste Villalba tem 20 anos e está fervorosamente do lado verde. Ao seu lado jovens com perucas verdes cantam "Aborto legal, no hospital!".
"Este debate é sobre se é legal ou clandestino, não se você é a favor ou contra o aborto", disse à AFP.
Mas Celeste sabe que os senadores devem ceder à pressão da Igreja Católica. "A Igreja quer se meter em tudo".
Mirtha Martini, 64 anos, vendedora de seguros, passou na praça para manifestar seu apoio à legalização. "É preciso adotar uma posição, é importante. O slogan 'Defender a vida' é uma falácia porque as mulheres morrem em abortos clandestinos".
Entre os celestes estão vários padres, como Federico Berruete, 35 anos. "Há uma grande mostra de fé, muita gente está se mobilizando por um país mais humano. É preciso defender a criança que vai nascer".
A seu redor manifestantes exibem cartazes com frases como "Há vida desde a concepção" e "Toda vida tem valor". Atrás uma enorme imagem de um feto diante da qual jovens cantam ao som de tambores.
A iniciativa de reduzir de 14 para 12 semanas de gravidez o período legal para a autorização do aborto fracassou no Senado.
Como ocorreu na Câmara, as posições dos senadores são individuais e não respondem a orientação partidária.
"Não aprovar a lei não é uma resposta. Mesmo que após esta sessão o aborto siga penalizado, amanhã haverá abortos na Argentina. Se não é pela lei, será de maneira clandestina", advertiu o senador Eduardo Aguilar, do Partido Justicialista (peronista).
No outro lado, a senadora María Tapia, da União Cívica Radical, declarou que "todos concordam com a preocupação com a vida das mulheres, mas a aprovação desta lei vai gerar um fomento, uma aprovação desta prática".
O presidente Mauricio Macri celebrou o debate sobre o aborto nos últimos meses e destacou em carta que "não importa qual seja o resultado, hoje vencerá a democracia".