O presidente Donald Trump quer abolir por decreto o direito à cidadania concedido a todos os que nascem no território dos Estados Unidos, de acordo com uma entrevista divulgada nesta terça-feira (30).
"Somos o único país do mundo onde uma pessoa entra, tem um bebê e a pessoa é essencialmente um cidadão dos Estados Unidos por 85 anos, com todos os benefícios. Isto é ridículo e tem que acabar", afirmou.
A proposta foi anunciada a uma semana das eleições legislativas de meio de mandato. Na campanha para a votação de 6 de novembro, o presidente americano tenta colocar a migração no centro do debate.
Mas a ideia está longe de virar realidade, pois uma mudança na Constituição implica procedimentos que não incluem o decreto presidencial.
Na entrevista para o portal de notícias Axios, o presidente afirmou que pretende assinar um decreto para que as crianças nascidas em território americano e filhas de imigrantes, em situação irregular ou não, não se beneficiem mais deste direito.
Além da resistência que a proposta pode gerar, os juristas questionam o desejo do presidente de acabar com um decreto com um direito garantido pela 14ª Emenda da Constituição.
"Sempre me disseram que você precisava de uma emenda constitucional. Adivinha? Você não precisa", disse Trump.
"Agora eles estão dizendo que eu posso fazer isso apenas com uma ordem executiva", afirmou.
Para mudar a Constituição nos Estados Unidos é preciso uma maioria de dois terços no Congresso, algo impensável neste momento de grandes divisões e pouco consenso legislativo no país.
Na entrevista, Trump criticou a legislação atual dizendo ainda que o sistema Ius soli só existe nos Estados Unidos, o que não é verdadeiro.
Para Laurence Tribe, professor de Direito Constitucional da Universidade de Harvard, este projeto de decreto é uma aberração.
"Se o direito de nascimento garantido pela 14ª Emenda pudesse ser apagado assim, com uma canetada de Trump, então toda a Constituição poderia ser apagada da mesma maneira", disse ele no Twitter.
A Emenda em questão diz que "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos estão sujeitas à sua jurisdição, portanto são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem".
Na entrevista, Trump não deu nenhuma indicação do prazo em que poderia tentar implementar essa reforma.
A vocação de suas palavras parece mais orientada para as eleições de novembro, nas quais os democratas poderiam recuperar o controle do Congresso.
Ele também tenta se aproveitar da expectativa gerada por uma caravana de migrantes que deixou Honduras em 13 de outubro para incitar seu discurso contra a imigração, descrevendo a chegada da caravana de "invasão".
As autoridades americanas estimam que na caravana, que avança atualmente pelo estado mexicano de Oaxaca (sul), estejam cerca de 3.500 pessoas, incluindo mulheres grávidas que esperam que seus filhos sejam cidadãos dos Estados Unidos.
Os democratas imediatamente destacaram a natureza inconstitucional da iniciativa do presidente.
"Embora a proposta de Trump de acabar com o direito por nascimento seja obviamente inconstitucional, a sua intenção é clara, é a de incitar o medo, de dividir nossa nação e fazer com que as comunidades vulneráveis sintam-se inseguras", declarou o partido em uma mensagem.
O senador republicano Lindsey Graham anunciou que lançará um projeto de lei no mesmo sentido da proposta do presidente.
Seu colega de partido Paul Ryan, líder da Câmara de Representantes, admitiu que tal direito não pode ser anulado com um decreto do Executivo.
"Como conservador que sou, acredito em seguir as leis e a Constituição, e acredito que neste caso a 14ª Emenda é muito clara", declarou Ryan a uma rádio local.
A organização de defesa dos direitos civis ACLU lembrou que a 14ª Emenda claramente garante a cidadania e que a Constituição não pode ser apagada com um decreto do executivo.
"Este é um ataque completamente inconstitucional para agitar a retórica incendiária de ódio contra os imigrantes dias antes das eleições", estimou a organização.