A Suprema Corte do Paquistão acatou um recurso e absolveu a cristã Asia Bibi, condenada à morte por blasfêmia em 2010 e cujo caso provocou indignação no exterior e violência no país.
"Foi absolvida de todas as acusações", declarou o juiz Saqib Nisar ao ler o veredicto na Suprema Corte. Bibi, que está presa em uma penitenciária de Multan, será libertada imediatamente, completou o magistrado. Ela parecia em estado de choque ao receber a notícia de seu advogado.
"Eu não acredito no que estou ouvindo. Eu vou sair agora? Eles realmente vão permitir que eu saia agora?", perguntou Bibi por telefone à AFP ainda na prisão. "Eu não sei o que dizer, estou muito feliz. Eu não consigo acreditar".
O veredicto pode motivar a fúria de grupos religiosos fundamentalistas, que pediam a execução de Bibi. Nas últimas semanas, muçulmanos extremistas ameaçaram os juízes que analisavam o caso na hipótese uma decisão favorável à acusada. As autoridades estabeleceram medidas de segurança em Islamabad nesta quarta-feira (31), com barreiras próximas aos bairros de residência dos magistrados e da comunidade diplomática.
A equipe de defesa de Asia Bibi celebrou a decisão da justiça. "O veredicto mostra que os pobres, as minorias e os segmentos inferiores da sociedade podem obter justiça neste país, apesar de suas falhas", disse à AFP Saif-ul-Mulook, advogado de Bibi.
Asia Bibi, mãe de cinco filhos, foi condenada à pena de morte após uma disputa com uma muçulmana sobre um vaso de água. O caso teve repercussão internacional e chamou a atenção dos papas Bento XVI e Francisco. Em 2015, uma das filhas de Asia Bibi se reuniu com o atual pontífice. A história desta cristã de origem modesta divide profundamente a opinião pública paquistanesa.
A blasfêmia é uma questão extremamente sensível no Paquistão, um país muito conservador no qual o islamismo é religião de Estado. A lei prevê a possibilidade de pena de morte para pessoas consideradas culpadas de ofensa ao islã.
Um relatório da Comissão dos Estados Unidos sobre Liberdade Religiosa Internacional afirma que quase 40 pessoas foram condenadas à morte ou cumprem pena de prisão perpétua por blasfêmia no país.
O ex-governador de Panyab Salman Taseer, que defendeu Bibi, foi assassinado no centro de Islamabad em 2011 por seu próprio segurança, Mumtaz Qadri, que foi executado em 2016. Os ativistas dos direitos humanos consideram Bibi um símbolo dos problemas da lei que reprime a blasfêmia no Paquistão, muitas vezes utilizadas para solucionar problemas pessoais, de acordo com os críticos.
Durante a análise do recurso, no início de outubro, os juízes da Suprema Corte questionaram o fundamento da acusação. "Não vejo nenhum comentário desagradável sobre o Corão no relatório da investigação", disse o juiz Saqib Nisar, enquanto o magistrado Asif Saeed Khan Khosa citou vários pontos de desrespeito aos procedimentos.
Vários extremistas ameaçaram publicamente os três magistrados da apelação em caso de uma absolvição. "Os muçulmanos paquistaneses tomarão as medidas adequadas ante os juízes... e os conduzirão a um fim horrível", afirmou o Tehreek-e-Labaik Pakistan (TLP), grupo religioso extremista que se tornou um partido político e transformou a punição à blasfêmia em sua razão de ser. "Os adoradores do Profeta não retrocederão diante de nenhum sacrifício", completou o TLP.
Até o momento as autoridades não definiram o que acontecerá exatamente com Asia Bibi. "Em caso de libertação, Asia não pode permanecer (no Paquistão) com a lei sobre a blasfêmia", afirmou seu marido, Ashiq Masih, à AFP no dia 13 de outubro, quando foi recebido em Londres pela ONG católica Ajuda à Igreja Necessitada.
"Para nós, a vida no Paquistão é muito difícil, não saímos de casa, somos muito prudentes", disse a filha de Asia, Esham.