Feminicídio: Desculpem se perdemos o tom...

Confira abaixo artigo do Coletivo Deixa Ela Em Paz
COLETIVO DEIXA ELA EM PAZ
Publicado em 09/04/2017 às 8:00
Confira abaixo artigo do Coletivo Deixa Ela Em Paz Foto: Diego Nigro/JC Imagem


Mirella foi assassinada esta semana no Recife. Foi encontrada nua, com ferimentos de faca no pescoço e na mão. Morava sozinha. Jornais noticiaram “suspeita de crime passional”. O machismo começa na expressão. Desculpem se perdemos o tom, mas Eliane foi estuprada e enforcada pelo ex-cunhado, morreu em Ipojuca, também vítima do machismo, também esta semana. Estamos fora do tom, mas Bruno Fernandes de Souza entra em campo neste sábado – em “plena evolução e regularizado” – após ter mandado esquartejar uma ex-amante e dar o corpo para cachorros comerem.

E Susllem teve a genitália tocada por um homem de poder em seu ambiente de trabalho – além de ser gritada “vaca” por não querer ceder. Num portal de notícias, comentário dizia: “Daqui a pouco não poderemos mais nem cantar as mulheres!” Pois é, estamos reclamando de estarmos sendo assassinadas cotidiana e silenciosamente, e o maior sofrimento acontecerá quando tentarmos limitar até esse direito vital masculino: a cantada de rua.

Abaixo, entrevista em vídeo de vítima que decidiu denunciar

A verdade é que a sociedade está rindo na nossa cara. Rindo da violência que sofremos, tratando feminicídio como crime passional, estão falando que uma mulher destrói a vida de um homem ao denunciar assédio, enquanto somos nós, mulheres, perseguidas e assassinadas.

ESPECIAL RAÍZES DA INTOLERÂNCIA
>>> Misoginia: desprezo às mulheres

Uma mulher, num flat de classe média alta, foi violentada e morta por um vizinho que pensava ter algum direito sobre o corpo dela. Se entrarmos no debate sobre mulheres de periferia e seu silenciamento e seu apagamento, aí sim, saberemos o que é porrada no estômago.

Não importa se é o vizinho ou um ex-namorado, crime passional não existe, o que existe é feminicídio e o machismo é a sua causa.

FEMINICÍDIO EM NÚMEROS

A pesquisa Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, 2013) mostrou que, entre as brasileiras, sete em cada dez entrevistadas acreditam ser mais provável sofrer violência dentro de casa do que em espaços públicos. Entre os entrevistados de ambos os sexos e todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro; 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira e 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres. Mas “o José Mayer a gente conhece”, como justificou Caio Blat.

Homens famosos usaram seu espaço de poder para defender José Mayer e dizer “não é bem assim”. Porque a denúncia choca mais do que o ato denunciado. A relativização do machismo é o cerne do que faz mulheres serem assassinadas cotidianamente. Porque se você acha normal um homem assediar uma colega de trabalho, tocá-la, xingá-la, você incentiva o início da curva que resulta na violência física e na morte de mulheres. Da mesma forma, defender as mulheres desejando que o assassino de Mirella seja estuprado na cadeia é reforçar uma cultura de estupro que submete corpos femininos à correção. É preciso mais que ódio para responder a esse ciclo de desumanização ao qual nós, mulheres, somos submetidas desde que nascemos. É preciso a humildade de aprender e questionar, entender que a cultura do machismo e da violência contra a mulher está na minúcia do nosso comportamento. E como cultura, pode ser modificada.

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