A crise de desabastecimento provocada pela greve dos caminhoneiros expôs a fragilidade do governo e desconcertou os partidos políticos, embora ainda seja cedo para prever seu impacto nas eleições de outubro, avaliam analistas.
A surpresa provocada pela rápida disseminação do movimento somou-se à negativa de aceitação dos acordos alcançados entre sindicatos e governo em centenas de bloqueios onde palavras de ordem de defesa de uma "intervenção federal" se tornaram populares.
"Os caminhoneiros estão lidando com um governo muito fragilizado, muito vulnerável. O governo apresenta condições limitadas de reação, com muitas hesitações no processo", disse à AFP o analista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas.
Depois de subestimar o movimento, o governo Temer criou um gabinete de crise e acabou cedendo a muitas reivindicações, inclusive uma redução no preço do diesel, que será subvencionada pelo Tesouro.
No Palácio do Planalto admite-se que esta greve teve um desenho logístico capaz de cortar o fluxo de carga em pontos essenciais, como refinarias e aeroportos.
Os bloqueios diminuíram nesta terça-feira e o abastecimento começava a voltar ao normal, mas ainda persistem bloqueios promovidos, segundo o ministro de Segurança Pública, Raúl Jungmann, por empresas distribuidoras que querem desestabilizar o governo.
As autoridades investigam a presença de grupos políticos "infiltrados" entre os caminhoneiros, uma acusação apoiada por organizações sindicais.
"Não são mais os caminhoneiros que estão em greve. Há um grupo muito forte (...) de pessoas que querem derrubar o governo", disse José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam).
Para o cientista político Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as concessões do governo "podem funcionar a curto prazo, mas vão gerar um problema fiscal, um problema de recursos no orçamento público".
Será preciso avaliar, também, o desgaste político que vai provocar a quatro meses das eleições de 7 de outubro.
Nos corredores do Congresso, aliados do governo questionam a credibilidade de Temer para levar seu mandato até o fim, em 1º de janeiro de 2019, caso a situação piore, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
Denunciado por corrupção em duas ocasiões, Temer conseguiu congelar a abertura de investigações negociando cargos e orçamento em troca de votos no Congresso. Assim, gastou praticamente todo o seu capital político, avalia o cientista político André César, da consultoria Hold.
"Chegamos a um ponto em que o governo Temer não tem mais o que oferecer (...) O presidente Temer encerrará seu mandato extremamente enfraquecido, ecoando o final do governo Sarney. Um zumbi no Planalto", afirmou César.
"O governo Temer é um governo moribundo, que a partir das revelações das delações da JBS, perdeu capacidade de coordenação e de interferência positiva que apresentava no inicio da sua gestão, quando apresentava um perfil reformista e vitorioso", avaliou Pereira.
Temer chegou ao poder em 2016, após o impeachment de sua companheira de chapa, a presidente Dilma Rousseff, acusada pelo Congresso de manipular contas públicas.
Com a classe política desmoralizada pelos escândalos e a economia se recuperando de forma muito lenta, a greve dos caminhoneiros despertou certa simpatia entre a população.
A greve "mostra mais uma vez o grande nível de descontentamento, de raiva, e isso tende a beneficiar nas eleições candidatos com discursos mais radicais", avaliou Santoro.
Ela traz de volta o fantasma dos protestos de 2013, quando milhões de brasileiros foram às ruas para exigir a melhora dos serviços públicos e mostrar seu descontentamento com o governo.
A greve evidenciou, ainda, o forte ativismo de grupos de extrema direita, que pedem uma intervenção das Forças Armadas para moralizar a política, uma bandeira delicada em um país que viveu mais de duas décadas sob um regime militar (1964-1985).
O governo reduziu a importância destes movimentos, alegando que saem das cavernas "do século passado", e descartou qualquer tentação golpista das Forças Armadas.
Santoro prefere não desestimar estas vozes, incentivadas "pela ausência de um líder político moderado, comprometido com valores éticos, que apresente alternativas".
O deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), um nostálgico declarado do regime militar e segundo colocado nas pesquisas de intenção de votos, tentou se distanciar destes grupos. Em entrevista publicada nesta terça-feira pela Folha de S. Paulo, disse que a ideia de um golpe não passa por sua cabeça, nem pela cabeça de nenhum general.
Os partidos que integram a coalizão de governo criticaram os bloqueios, enquanto dois partidos de esquerda deram seu apoio ao movimento, em respostas enviadas ao jornal O Globo.
Manuela D'avila, do PCdoB, considerou que os caminhoneiros travam uma luta "justa".
Guilherme Boulos, do PSOL, relativizou seu apoio, separando "o protesto legítimo dos caminhoneiros" dos "donos de empresas de transportes barganhando isenções fiscais e oportunistas de extrema direita defendendo uma intervenção militar".