A Comissão Nacional da Verdade determinou, em relatório final divulgado nesta quarta-feira (10), que 377 pessoas são responsáveis pelas graves violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988. O trabalho do grupo incluiu dentre os culpados pelas mortes, torturas, desaparecimentos forçados, ocultações de cadáveres e prisões arbitrárias os cinco generais que presidiram o país durante o regime, ministros, além de outros militares e policiais diretamente envolvidos na repressão política.
No documento, entregue nesta manhã no Palácio do Planalto à presidente Dilma Rousseff (que foi presa e torturada pelos militares), os seis comissários afirmam que as práticas foram "crimes contra a humanidade" e fizeram parte de uma política sistemática, que funcionou durante os 21 anos de ditadura.
Essa conclusão contraria o argumento, usado pelas Forças Armadas desde os anos 1960 e refletido em parte da historiografia sobre o tema, de que os abusos eram marginais e obra de um grupo pequeno de radicais.
"Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares. Operacionalizada através de cadeias de comando que, partindo dessas instâncias dirigentes, alcançaram os órgãos responsáveis pelas instalações e pelos procedimentos diretamente implicados na atividade repressiva, essa política de Estado mobilizou agentes públicos para a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e tortura, que se abateu sobre milhares de brasileiros, e para o cometimento de desaparecimentos forçados, execuções e ocultação de cadáveres", diz o documento.
O trabalho da comissão também vai ampliar a lista de mortos e desaparecidos politicos para 434 vítimas, 73 nomes a mais do que o último levantamento realizado pelo Estado, em 2007. Mas a apuração que termina agora levou em conta o período que vai de 1946 a 1988, conforme o previsto na lei que criou a comissão, e não o período da última ditadura, entre 1964 e 1985.
O relatório, resultado de dois anos e sete meses de trabalho, é a maior sistematização já feita pelo Estado brasileiro de relatos e apurações sobre violações aos direitos humanos na ditadura.
Com status de primeira narrativa oficial do período, as conclusões e recomendações do relatório, apesar de não terem poder executivo, podem agora levar a novas ações de responsabilização de militares, pressionar por mudanças na cultura das Forças Armadas e pautar o debate de políticas públicas de segurança (veja lista abaixo).
Para a comissão, a Lei da Anistia, instrumento crucial para a redemocratização do país e em vigor desde 1979, não deve ser um empecilho para se julgar os responsáveis pelos crimes já que alguns deles, como o desaparecimento de uma pessoa nunca encontrada, são delitos continuados, portanto fora do alcance da anistia.
O grupo evitou fazer qualquer consideração sobre a extinção da lei, dando força a um argumento já utilizado por integrantes do Ministério Público Federal, e que aos poucos vem sendo aceito por juízes de
primeiro e segundo grau: o de que a norma não é obstáculo para julgar militares acusados de crimes de lesa humanidade como tortura e execuções, segundo tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
O fato de as mesmas violações perpetradas pelo regime militar continuarem ocorrendo hoje em dia no país, dizem os membros do grupo, é em grande parte resultado "do fato de que o cometimento de graves
violações de direitos humanos verificado no passado não foi adequadamente denunciado, nem seus autores responsabilizados, criando-se as condições para sua perpetuação."
O trabalho deve ser usado pelo Ministério Público Federal em novas ações judiciais contra acusados de crimes na ditadura. Atualmente, dez ações tramitam na Justiça contra 24 réus.
O TRABALHO
Marcada por desentendimentos internos e resistência e críticas de militares, a Comissão Nacional da Verdade considera o seu maior feito a sistematização da cadeia de comando da ditadura.
Além dessa sistematização, ela conseguiu uma série de feitos específicos, como elucidar as circunstâncias da morte do ex-deputado Rubens Paiva, um dos episódios mais emblemáticos do período.
Mas falhou no que era a maior prioridade dos comissários no início dos trabalhos, em maio de 2012: a busca pelos mortos e desaparecidos da ditadura. Desde o início dos trabalhos, apenas um militante, que estava enterrado como indigente num cemitério de Brasília, fora identificado.
Uma das recomendações do relatório é justamente para que o governo crie um órgão permanente, que possa continuar as apurações e negociar a execução das recomendações.