A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados fez na terça-feira (24), no Congresso Nacional, uma audiência pública para debater a demarcação de terras indígenas. O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Flávio Chiarelli foi convidado pelos deputados para prestar esclarecimentos sobre a identificação e delimitação das terras indígenas.
Durante o debate, Chiarelli respondeu a questionamentos dos deputados que, em alguns casos, defenderam que existe a produção de laudos fraudulentos para a demarcação de terras indígenas. “[O proprietário] contrata os advogados e eles, para instruir o processo, fazem o contralaudo e encontram centenas de inconsistência. O laudo é feito unilateral durante anos. Tem inconformidades, inconsistência técnica, testemunhal, histórica”, diz o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), autor do pedido da audiência.
Chiarelli defende que são feitos estudos técnicos e que muitos desses processos, por serem extensos, não são lidos na totalidade. “Se você não conhece um material na integralidade, você não pode dizer se aquilo é fraudulento ou não”, defendeu. Ele acrescentou que, ao apurar as denúncias feitas, muitas vezes a Funai verifica que existe inconsistência nas alegações.
“Muitas vezes a gente vai apurar aquilo e chega à conclusão de que não passava de um mal entendido ou uma denúncia falsa de um factoide que foi criada. Eu tenho a impressão que as acusações de fraude nos laudos não se sustentam porque não há um exame da questão. Isso fica mais no discurso superficial, muito permeado pela ideologia”.
Durante o debate, os deputados defenderam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que retira do Poder Executivo a atribuição exclusiva de homologar terras indígenas passando a competência para aprovar a demarcação ao Congresso Nacional. A proposta é alvo de protestos da comunidade indígena. “Nunca mais veríamos terras indígenas demarcadas visto que a grande maioria do Congresso Nacional são os próprios fazendeiros e que jamais vão dar uma palavra final positiva”, defende o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Lindomar Terena.
Para Moreira, durante os processos, os produtores não são ouvidos e não têm a possibilidade de defesa. Segundo o deputado, com a transferência para o Congresso, todos os lados envolvidos seriam ouvidos. “Quando chegar aqui para fazer a decisão final, é certo que esta Casa vai ouvir as partes e se uma das partes com consistência disse que o laudo antropológico tem vício de origem, é fraudulento, claro que vamos buscar a possibilidade de contraprova para saber se isso acontece”.
O presidente da Funai defende que o Congresso é um espaço para debates e que representa os diversos segmentos da sociedade, mas, para ele, não pode ser o local de decisão final sobre o tema. “Quando se trata da definição de algo e, se tratando de uma minoria, essa situação se agrava um pouco mais. Ela [a definição] não pode ficar a cargo de um ambiente onde as minorias não terão em número, quantitativo, a sua representatividade. Por isso, e não por outro motivo, que o Constituinte de 1988 pré-estabeleceu uma série de direitos que não podem ser modificados”.
Chiarelli defendeu também que, ao contrário do que os deputados defendem, a Constituição Federal não atribui ao Congresso a competência para a decisão relativa às terras indígenas. “Quando ela [Constituição Federal] diz que compete à União demarcar as terras indígenas, ela não falou que compete ao Congresso. A União é formada por três poderes: Judiciário, Executivo, Legislativo. Então na clássica separação dos poderes, compete sempre ao Executivo tomar as medidas executivas e não ao Poder Legislativo”. O presidente da Funai defende ainda que a Casa é um espaço para debates e para buscar soluções para os problemas que envolvem o tema.