Após quase dois meses de discussão, os senadores aprovaram nesta quarta-feira (19) à noite o projeto que reonera a folha de pagamentos para 56 setores da economia, a última do ajuste fiscal encaminhada pelo governo Dilma Rousseff no Congresso. Diante do impasse que envolveu a cúpula do Executivo, do Legislativo e setores empresariais do País, a Casa votou o texto idêntico ao aprovado pela Câmara no final de junho.
O projeto foi aprovado por 45 votos a 27, sendo sustentada principalmente pelos votos do PMDB e do PT, além de senadores de partidos da base aliada, como PDT, PSD e PCdoB. Os parlamentares do PSDB seguiram indicações do líder Cássio Cunha Lima (PB) e do presidente nacional do partido, Aécio Neves (MG), e foram contrários ao projeto, ao lado de DEM, PTB e PPS. O ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), que costumava votar projetos do interesse do governo, hoje foi contrário ao projeto.
O relator do projeto e líder do PMDB do Senado, Eunício Oliveira (CE), tentou costurar nas últimas 24 horas um acordo para ampliar o rol dos setores que receberam tratamento diferenciado pela Câmara. Os deputados haviam conferido vantagens fiscais para quatro deles - comunicação social, transportes, call center e calçados -, assim como os itens da cesta básica.
Mesmo com as negociações terem ido até às vésperas da votação, envolvendo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o vice Michel Temer, não houve avanços. Levy conversou primeiro com o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, que por telefone defendeu o projeto da entidade que preside. Ele circulou nos últimos dias entre senadores em busca de apoio a mudanças sugeridas pela Fiesp.
Pelos cálculos da Receita, obtidos pelo jornal "O Estado de S. Paulo", a proposta da Fiesp aumentaria o número de empresas "perdedoras" a 51,1 mil companhias, ante 37 mil pelo projeto original do governo. A entidade sugeria uma elevação mais suave das alíquotas que incidem sobre o faturamento das empresas, das atuais 1% e 2% para 1,5% e 3%, respectivamente, mas não permitiria uma "porta de saída" da medida, "prendendo" as empresas no regime. Já o projeto do governo, que conta com um aumento mais forte das alíquotas, a 2,5% e 4,5%, respectivamente conta com a possibilidade das empresas migrarem para o regime antigo de tributação, sobre a folha de pagamentos.
Obstinado com o ajuste fiscal, Levy não gostou do tom escolhido por Skaf, que colocou a proposta do governo como uma espécie de medida "anti-indústria". Em seguida, antes de participar da reunião da Junta Orçamentária no Palácio do Planalto com a presidente, Levy ainda recebeu uma ligação de Eunício Oliveira. O relator não topou fazer quaisquer mudanças: a proposta pela Fiesp, a sugestão de se fazer uma emenda de redação, que, na prática, facilitaria a presidente vetar as exceções criadas pelos deputados; tampouco houve acerto para alargar o rol de beneficiados com a tributação diferenciada, medida que levaria novamente o texto para a Câmara.
Ao final, o Palácio do Planalto considerou a solução como "positiva" diante das alternativas, que reduziriam ainda mais a economia pretendia pelo governo com o projeto.
Eunício disse que, mesmo discordando das mudanças, preferiu acatar o texto da Câmara para virar a página da "pauta negativa" do ajuste fiscal e começar a discutir uma pauta de retomada de crescimento, a partir da "Agenda Brasil" do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL). E mandou um recado para o Palácio do Planalto. "É hora de o governo federal reforçar os mecanismos de interlocução com a sociedade, seus empresários, suas associações de classe e demais instituições organizadas, de forma a apresentar opções negociadas que joguem alguma luz para o futuro", disse.
Para garantir a aprovação da proposta, que é impopular, o governo decidiu encampar uma sugestão feita por senadores de reduzir a desoneração de outros tributos para o transporte coletivo durante reunião de líderes com Michel Temer. A iniciativa será viabilizada por meio de um projeto de lei ou uma emenda a uma medida provisória.
A aprovação do projeto, no entanto, deve render ao governo uma economia de recursos muito pequena neste ano. Por conta do princípio da noventena, uma medida de elevação de impostos, como a reoneração, somente entra em vigor três meses após a sanção presidencial. Caso Dilma assine a lei a partir do dia 1º de setembro, o fato gerador dos novos tributos será o mês de dezembro, mas o recolhimento de impostos ocorrerá somente no mês seguinte, isto é, em janeiro de 2016. A estimativa é que, com as mudanças, o governo deixará de perder cerca de R$ 9,3 bilhões por ano com a desoneração da folha - caso a Câmara não tivesse feito as mudanças mantidas pelo Senado, a economia seria maior, de R$ 12,8 bilhões ao longo de um ano.
A oposição protestou contra a aprovação da proposta. "Esse projeto é um golpe no emprego", criticou o líder da oposição no Senado, Alvaro Dias (PSDB-PR). Ao citar a decisão do governo de baixar os juros de bancos públicos para empréstimos ao setor automobilístico, o líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima (PB), disse que Levy começou a cair na "tentação" da lógica do primeiro mandato Dilma que levou o País a atual situação e comparou Joaquim Levy a seu antecessor, Guido Mantega.