Afastada desde maio, Dilma Rousseff se defenderá nesta segunda-feira (29) ante senadores que julgam sua destituição no Brasil no que será, se cumpridas as previsões, seu último ato e o mais dramático como presidente do Brasil.
O desfecho é inesperado para esta ex-guerrilheira de esquerda, de 68 anos, a primeira mulher a ocupar a Presidência do país, e para o Partido dos Trabalhadores (PT), que governa há mais de 13 anos a maior potência da América Latina.
"Irá com um espírito altivo. Está tranquila", resumiu um de seus assessores consultado pela AFP horas antes do comparecimento da presidente no Senado, a antessala de uma votação que decidirá se ela perderá seu mandato definitivamente ou se será reconduzida a cargo.
Isolada politicamente, afetada pela pior recessão econômica desde os anos 1930 e com seu partido alvo de denúncias de corrupção, Dilma foi afastada sob a acusação de maquiar contas públicas.
A votação final será o fim da linha de um processo que estremece o país há nove meses, juntamente com uma economia em frangalhos e o descrédito de uma classe política desmoralizada por escândalos de corrupção.
Desde que Dilma iniciou seu segundo mandato, o PIB brasileiro recuou 3,8% em 2015 e deve cair 3,1% este ano, o desemprego disparou até atingir um recorde de mais de 11 milhões de pessoas, a inflação alcançou os dois dígitos e o rombo fiscal é previsto em até R$ 170 bilhões.
A isto se somaram as revelações da Operação Lava Jato, uma rede político-empresarial de pagamento de propinas que desviou mais de US$ 2 bilhões da Petrobras.
No Senado, Dilma dará o seu recado em 30 minutos e depois será interrogada por aliados e adversários, sob o olhar atento do ex-presidente Lula, seu padrinho político e a personalidade que encarnou a ascensão do Brasil, o sucesso do combate à pobreza e foi o presidente mais popular da história moderna do país.
A presidente afirma ser inocente e que o julgamento é, na verdade, "um golpe orquestrado" por seu ex-vice Michel Temer, hoje seu arqui-inimigo e presidente interino, que poderá finalizar o mandato de Dilma nos próximos dois anos.
A presença de Dilma gera grandes expectativas na capital, onde também estará na companhia do cantor e compositor Chico Buarque. São esperadas manifestações em frente ao Congresso, que foi cercado e estará vigiado por mais de 1.300 policiais até o dia da votação para evitar confrontos.
O plenário de 81 senadores decidirá o futuro governo do país em uma única rodada de votação.
Os aliados de Temer asseguram ter entre 60 e 61 votos para garantir a condenação, mais que os 54 necessários, e todas as pesquisas de opinião indicam que só um milagre evitará a destituição de Dilma.
Ela foi acusada de autorizar gastos sem o aval do Congresso e adiar pagamentos a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas públicas e seguir financiando programas sociais no ano de sua reeleição e no começo de 2015, o que é proibido pela Constituição.
Sua defesa alega que as práticas questionadas também foram usadas regularmente por governos anteriores, sem que tenham sido punidos por isso.
Dilma Rousseff jogará sua última cartada ante um Senado que tem pelo menos um terço de seus 81 membros sob a lupa da Justiça ou já processados por casos de corrupção.
Foi a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), também investigada, que abriu a caixa de Pandora na quinta-feira passada, no primeiro dia do julgamento.
"Qual é a moral desse Senado para julgar a presidente da República?", perguntou, provocando uma série de críticas.
Se for destituída, Dilma se tornará o segundo chefe de Estado a cair pelas mãos do Congresso em 24 anos, depois de Fernando Collor (PTC-AL), hoje um senador que apoia o impeachment.
Neste caso, a guerrilheira marxista da juventude, economista de caráter estoico e pouco afeita à negociação, deixará definitivamente o Palácio do Planalto, sede do governo, com popularidade próxima a um dígito.
Uma diferença notável com o início de seu governo, quando Dilma assumiu o poder em 2010 com uma economia pujante que atraía investidores de todo o mundo.
Mas o partido fundado por Lula - que presidiu o Brasil entre 2003 e 2010 - foi se apagando.
Agora, esta força que inspirou a esquerda regional, ao tirar 30 milhões de pessoas da pobreza, segundo o Banco Mundial e tirar o Brasil do mapa da fome, vê sua estrela apagar após quatro ciclos consecutivos no poder.