As mudanças nas regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) propostas pelo governo na reforma da Previdência foram comparadas Nesa quarta-feira (22) à Lei dos Sexagenários, que em 1885 libertou escravos com mais de 60 anos. O deputado Assis Carvalho (PT-PI) argumentou que, assim como os escravos dificilmente chegavam àquela idade para usufruir do benefício, os idosos que não têm renda suficiente para sobreviver não atingirão os 70 anos que o governo pretende instituir como idade mínima para a obtenção do auxílio.
"Muitos comemoravam a Lei dos Sexagenários como um avanço, uma conquista", ironizou o petista, contrário às mudanças no BPC. Hoje, o auxílio de um salário mínimo é pago a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência que não tenham condições de se sustentar. A intenção do governo, no entanto, é elevar a idade mínima para 70 anos e desvincular o valor do benefício do salário mínimo - o que, na prática, permite que o pagamento seja menor.
Mais cedo, o relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), admitiu que é sensível aos argumentos. "É o tema que mais me incomoda na PEC", disse. O relator afirmou que tem recebido manifestações de preocupação em relação a alterações nas regras de acesso e também à desvinculação do salário mínimo. Por outro lado, Oliveira Maia ressaltou que é preciso analisar o tema sob a ótica do gasto público.
O assessor especial da Casa Civil Bruno Bianco Leal afirmou hoje que o gasto com o BPC atingiu R$ 46,5 bilhões no ano passado, contra R$ 12,9 bilhões em 2004. Além disso, as concessões do benefício pela via judicial eram 2,6% do total há 13 anos e passaram a 14,3% em 2016. A Justiça entende que o critério estabelecido na lei para verificar a condição de insuficiência (renda per capita familiar menor que 25% do salário mínimo) não basta. Com isso, idosos ou pessoas com deficiência com renda per capita familiar menor de 50% do salário mínimo passaram a ser beneficiados.
"Juiz age crente que o Orçamento é infinito, pode dar a sentença que quiser que os cofres públicos vão suportar isso. Nós legisladores sabemos que essa realidade não se aplica na prática", criticou Oliveira Maia. Segundo ele, uma progressividade nas regras muitas vezes visa a "evitar o retrocesso", que seria a extinção do benefício ou a incapacidade da União de pagá-lo.
Em defesa da manutenção das regras atuais, a representante do Movimento de Pessoas com Deficiência, Izabel Maior, afirmou que o Brasil não deve desvincular o benefício do salário mínimo como fizeram outros países. "Eles até podem ter benefício de menor valor porque as questões socais estão muito mais resolvidas do que entre nós", argumentou. A especialista defendeu ainda revisões constantes para extinguir benefícios concedidos indevidamente, mas afirmou que não é possível penalizar ainda mais as pessoas que já convivem com dificuldades.
A representante do Ministério Público do Trabalho, Maria Aparecida Gugel, apelou aos deputados da comissão especial da reforma da Previdência que "pensem no ser humano". Para ela, a proposta enviada pelo governo é indevida e desumana, além de significar que os objetivos fundamentais da República, como a assistência social, "foram jogados no lixo". Parlamentares da base protestaram contra essa declaração.
Apesar disso, alguns deputados governistas se declararam sensibilizados com as argumentações. "Não quero aqui manifestar uma opinião sobre o que vou fazer, mas tenham certeza de que levarei comigo essas considerações", disse Oliveira Maia.