Maia já opera com cenário pós-Temer

Caso Temer seja afastado, Maia assume a presidência da República
Estadão Conteúdo
Publicado em 02/07/2017 às 9:06
Caso Temer seja afastado, Maia assume a presidência da República. Foto: Foto: Agência Brasil


A possibilidade de a Câmara dos Deputados autorizar a investigação e, consequentemente, poder afastar o presidente Michel Temer por um prazo de até 180 dias fez o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se descolar do Palácio do Planalto.

"O presidente da Câmara é presidente da Câmara, não de um governo. Não cabe ao presidente da Casa cumprir o papel de defensor de uma agenda porque essa não é uma agenda da Casa. Meu papel no caso da denúncia é ser o árbitro desse jogo. Não é ser defensor de uma posição ou de outra. Não tem como ter uma posição nem para um lado nem para outro", disse Maia ao Estado anteontem.

Caso Temer seja afastado, Maia assume a Presidência. Antes disso, é preciso que a Câmara autorize abertura de processo no Supremo Tribunal Federal (STF) e o plenário da Corte aceite a denúncia. Temer seria, então, afastado do posto.

Aliados do presidente da Câmara têm afirmado que, se for necessário, Maia estará preparado para uma eventual transição. Não vai, segundo eles, agir para derrubar o presidente.

Por outro lado, Maia é alvo de inquérito sigiloso no STF baseado em mensagens trocadas entre ele e o empresário Léo Pinheiro, dono da OAS, sobre uma doação de campanha em 2014. Maia nega prática de qualquer irregularidade.

A semana

Desde que a denúncia contra Temer foi apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na segunda-feira passada, Maia manteve a ambiguidade de mostrar lealdade ao governo ao mesmo tempo em que permite que a oposição, o baixo clero e seu grupo mais próximo defendam a aceitação da denúncia, a saída de Temer e sua posse.

Frequentador assíduo do Palácio do Planalto, ele evitou aparecer ao lado de Temer durante toda a semana. Não foi ao pronunciamento que o peemedebista fez na terça-feira contra a denúncia. Também decidiu, de última hora, não participar de uma cerimônia ao lado do presidente na quinta-feira. Em sua primeira declaração, contrariou a defesa de Temer e disse que cada denúncia apresentada por Janot deverá ter uma votação própria. Depois, os dois tiveram uma reunião privada.

Maia justificou ao Estado sua ausência. "Não estive no dia do discurso, primeiro, porque ele [Temer] não me convidou. E ele fez certo em não me convidar porque ele não podia convidar o presidente da Câmara ou do Senado para fazer um discurso tão contundente como o que ele fez. Não cabia a ele misturar as instituições naquele discurso", disse o deputado.

No entanto, durante a semana, Maia não ficou sem a companhia de seus pares. Na noite de segunda-feira, reuniu em sua residência oficial cerca de 20 deputados, entre os quais petistas. Na terça-feira, jantou com o embaixador da China, Li Jinzhang, e com Aldo Rebelo (PCdoB), cujo nome foi ventilado para ser seu vice há um mês.

"Ele quer ser presidente. Sabe que a chance de isso cair no colo dele é alta. Mas não vai fazer campanha. Não vai operar para derrubar. Vai estar assim, sempre presente, como está. Participa de velório, enterro, aniversário. Almoça e janta toda dia com deputados", disse o deputado Vicente Cândido (PT-SP), um dos principais interlocutores de Maia no PT.

No discurso, as principais lideranças do governo não veem chance de uma traição. "Há 100% de confiança", disse Darcísio Perondi (PMDB-RS), vice-líder do governo. "Tem lealdade ao Michel porque Michel o ajudou a estar onde está", disse outro vice-líder, Beto Mansur (PRB-SP). "Ele não faz e não fará nenhum movimento", disse Heráclito Fortes (PSB-PI).

Movimento

Se Temer não cair, Maia ficaria com a imagem de leal no momento em que nutre a ambição de se reeleger presidente da Câmara. Por isso, seus movimentos hoje consideram todas as possibilidades.

Há atualmente na Câmara três grupos. Os governistas, em maioria, liderados pelo PMDB com as cúpulas das bancadas do PP, PSD e PR; a oposição, em minoria, formada por PT, PCdoB, Rede e PSOL; e um grupo do meio, formado majoritariamente pelo baixo clero com integrantes de praticamente todos os partidos que não seguem a orientação das lideranças e se entusiasmam com a chance de Maia assumir. Sentem-se alijados dos acordos de cúpula e estariam prontos para trair. Seu nome também é defendido pelo grupo oposicionista.

"Falar que a denúncia passa é precipitado e falar que não passa é presunçoso", afirmou o líder do Podemos, Alexandre Baldy (GO), um dos mais próximos de Maia na Casa. Quem convive com Maia avalia que ele não fará nenhum movimento brusco para detonar o governo, mas também não "morrerá abraçado" com Temer.

Como disse o deputado Paulinho da Força (SD-SP) a Maia nesta semana: "Se tudo der errado agora, você vira presidente da República".

Brecha

Enquanto se posiciona publicamente como aliado do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mantém sobre sua mesa 24 pedidos de impedimento do presidente Michel Temer sem decidir sobre sua admissibilidade ou arquivamento. O mais antigo deles foi protocolado há sete meses, em 28 de setembro de 2016. De 25 já feitos, Maia arquivou um.

Assim como seus antecessores, o presidente da Câmara se vale de uma brecha no regimento da Casa e na lei de impeachment para deixar as decisões em aberto. Não há prazo para que o presidente decida sobre pedidos de impeachment.

Com isso, chefes do Legislativo costumam dar ritmos diferentes às decisões, privilegiando critérios políticos e não técnicos. O caso mais notório foi o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que só decidiu acatar o pedido contra a então presidente Dilma Rousseff após o PT se posicionar pela abertura de processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara. A decisão se deu quase quatro meses depois da data de protocolo do pedido.

Paes de Andrade, que presidiu a Câmara entre 1989 e 1991, permaneceu por todo o biênio de seu mandato com dois pedidos de impeachment contra Fernando Collor, sem dar qualquer decisão. O que acabou sendo aceito foi autorizado pelo seu sucessor, Ibsen Pinheiro.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Lamachia, argumenta que o regimento estabelece prazo de duas a cinco sessões para situações análogas, o que deveria ser adotado em casos de pedido de impeachment. "Mesmo que haja essa brecha, o presidente tem de guardar essa similitude. O que é inadmissível é que há pedidos sem decisão há tanto tempo", disse A OAB é autora do pedido número 17, protocolado em 25 de maio.

Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), Maia deve se restringir em sua análise ao aspecto formal dos pedidos. "Ele não pode decidir sobre o mérito. Isso quem faz é o plenário."

Autor do pedido de número 8, protocolado em 18 de maio, Molon assinou também um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal na quinta-feira passada pedindo a concessão de liminar para que Maia dê andamento aos pedidos. Antes de decidir sobre o mérito, o ministro Alexandre de Moraes deu dez dias para Maia se manifestar. O Estado enviou questões por escrito a Maia, mas sua assessoria não respondeu.

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