A intervenção federal no Rio de Janeiro é necessária, porém deve ser curta e objetiva, pois não tem a finalidade de resolver o problema da violência, mas apenas de fazer uma pausa para reorganizar a situação. A opinião é do sociólogo Julio Jacobo, coordenador do Mapa da Violência, uma das mais importantes publicações brasileiras sobre o tema.
“A intervenção federal não tem a finalidade de resolver [o problema da violência]. Tem a finalidade de colocar um parêntese para reorganizar a situação. Houve uma perda total do controle do aparelho do Estado no Rio de Janeiro. O estado já deixou de ter condições de contenção e estava sobrepassado pela violência e marginalidade. E não é de hoje, pois é um problema que já vem se alastrando há muito tempo”, disse Jacobo.
Pesquisador da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso), o sociólogo ressaltou que não há muitas alternativas imediatas à situação atual do Rio. “As medidas de enfrentamento não são muitas. Ou se reforça a capacidade do próprio estado, em um processo longo e custoso, em que tem de chamar concurso público, reforçar, treinar, capacitar e criar estrutura, ou se cria um parêntese, que é a intervenção federal”, disse ele.
Para Jacobo, a intervenção é um processo de contenção, mas que não deve durar muito tempo, apenas o suficiente para criar novas estruturas na área de segurança.
“Quando a intervenção se alastra por muito tempo, sem recriar estruturas, há uma retomada das forças da violência e da marginalidade. A intervenção deve ser curta e objetiva para atender aos seus objetivos: reorganizar o poder do aparelho do estado e ver qual é o elemento podre. Porque há regiões no Rio de Janeiro onde não há muita diferença entre bandido e policial, onde a população chega a afirmar que prefere o marginal e não a polícia”, disse.
Uma das vantagens da intervenção, segundo o sociólogo, é a maior facilidade de obtenção de verbas federais: “Neste meio tempo, tem que se regularizar o aparelho de segurança do estado com verbas. O interventor tem muito mais capacidade de levantar verba federal do que um gestor estadual, que não tem acesso. Ele tem todo o respaldo do governo federal”.
Segundo ele, é preciso haver uma reação do Estado brasileiro como um todo, a fim de frear a tendência de crescimento da violência, que tem se descentralizado e atingido todo o país: “Eu não penso que intervenção seja sempre algo bom. Às vezes pode ser ruim. Mas, na situação do Rio de Janeiro, onde o estado não tem mais capacidade de resposta, nem de virar a balança para o lado da população, eu acho que vai ser positivo”.
Já para o sociólogo Inacio Cano, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a intervenção na segurança do Rio não vai dar nenhum resultado. “O Exército não tem competência, não tem capacidade para lutar contra o crime organizado. Para lutar contra o crime organizado, é necessário investigação. O Exército não investiga”, opinou Cano.
Na avaliação dele, todas as vezes anteriores em que o Exército veio para o Rio resolver a situação de insegurança, foi um fracasso. Trata-se, mais uma vez, segundo o sociólogo, de se vender a ilusão de que o “Exército vai nos salvar”. “Precisamos de investigação; não precisamos de militares na rua”, concluiu.
Para a organização não-governamental (ONG) Rio de Paz, diante da gravidade da situação da segurança pública no estado, já se esperava há muito tempo alguma medida em nível federal, como a intervenção realizada agora. “Há décadas que o sangue de inocentes no Rio clama por uma política pública mais eficiente na área de segurança pública”, manifestou a entidade em nota.
De acordo com a Rio de Paz, o sucesso da intervenção depende de um mínimo de transparência de seus executores, além da integração entre os diversos atores do sistema de Justiça criminal e de interlocução com o Poder Legislativo e a sociedade civil, por meio de seus representantes.
A ONG destacou ainda a necessidade de implementação de políticas públicas na segurança que contemplem mudanças sociais estruturais, entre elas a reforma nas polícias e ações concretas para a redução da desigualdade. A organização disse que estará vigilante e cobrando dos interventores um programa de metas, um cronograma de ações e um protocolo de atuação dos militares tanto no asfalto como nas favelas. “O Rio de Paz espera sinceramente que todas as operações policiais militares que possam advir da intervenção sejam subordinadas à Constituição e às leis”, concluiu.
Já para a diretora-executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, a decisão do governo reforça erros já cometidos em ações anteriores que não tiveram resultados satisfatórios. “O estado do Rio de Janeiro já experimentou diversas ações das Forças Armadas que não reduziram os homicídios e agravaram as violações de direitos humanos. A possível intervenção federal por 10 meses coloca em risco, principalmente, a vida dos moradores de favelas e periferias, especialmente jovens negros”, apontou.