Parecer da procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, em uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) defende que ao menos 30% de todo o dinheiro público usado em campanhas seja destinado a mulheres candidatas. Com o Fundo Partidário e o novo Fundo Eleitoral estimados em R$ 2,5 bilhões, a medida representaria ao menos R$ 750 milhões destinados a financiar candidaturas femininas.
O objetivo é tentar reverter a grave sub-representação de mulheres na política brasileira. Embora elas sejam 50,67% da população, de acordo com o IBGE, o Brasil ocupa um distante 151º lugar na lista da Inter-Parliamentary Union, que avalia a presença de mulheres no Congresso; atrás de países como Afeganistão (55º), Quênia (85º) e Burkina Faso (149º).
“Em toda a América Latina, o Brasil só tem mais mulheres na política do que Belize e Haiti. Nós somos maioria do eleitorado, e a gente não consegue eleger mais do que algo entre 10% e 15% de mulheres no Legislativo. A gente não está falando nem de sub-representação, mas de exclusão das pessoas do processo político”, alerta Marlise Matos, professora de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Em 2012, uma pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp nos Estados da São Paulo, Bahia, Santa Catarina e Pará mostrou que as mulheres arrecadam em média 34% a menos que os homens na eleição. Enquanto a média de recursos deles ficava em R$ 111 mil, a delas girava em torno de R$ 73 mil. Dois anos depois, um levantamento da ONG Transparência Brasil concluiu que apenas 13% do que foi doado pelos 15 maiores doadores de campanhas, muitos deles empreiteiras envolvidas na Lava Jato, era destinado a candidatas.
Desde 1997, a Lei de Eleições estabeleceu que pelo menos 30% dos candidatos devem ser mulheres. Na prática, porém, isso não se converteu em uma maior representação política das mulheres porque virou prática comum entre os partidos registrar mulheres como candidatas apenas para cumprir a exigência legal, sem que elas de fato façam campanha ou tenham condições de concorrer. Em 2015, uma nova lei determinou que no mínimo 5% e no máximo 15% do Fundo Partidário seja reservado para o financiamento de candidatas pelas próximas três eleições. Para a PGR, estabelecer um teto ao financiamento de mulheres é inconstitucional.
“A Lei de cotas não deu certo e não aumentou o número de mulheres nos Legislativos porque as mulheres não têm condição de fazer campanha e de se eleger. É falsa essa ideia de que as mulheres não querem disputar eleição. As mulheres não querem porque não têm dinheiro, não têm tempo no guia eleitoral, não podem discursar nos comícios. As condições que dão a elas são ruins”, explica Céli Regina Jardim Pinto, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para a deputada federal Luciana Santos, presidente nacional do PCdoB, o aumento de recursos para mulheres pode estimular a entrada de candidatas na política. “Nós vamos continuar lutando para que haja uma maior participação feminina na política. Mas isso só terá eficácia quando mudarmos o sistema eleitoral”, afirma.
Na opinião da deputada estadual Terezinha Nunes (PSDB), não há como progredir no número de mulheres eleitas se elas recebem apenas 5% do recurso dos partidos. “Se a lei obriga que 30% dos candidatos sejam mulheres, tem que ter 30% dos recursos. Não tem mágica. Sem isso, elas ficam de fora ou entram representando o marido e o pai na política. Elas nunca vão se representar”, diz.