O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou nesta terça-feira, 6, um "arroubo de retórica" a fala do presidente Jair Bolsonaro, que, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo, disse que não pretende indicar um "xiita" da questão ambiental nem das minorias para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Marco Aurélio também elogiou a atuação da atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, à frente do órgão nos últimos dois anos, e afirmou que ela merece "seu aplauso" pelo trabalho desempenhado até aqui.
"É um arroubo de retórica, né. Faz parte do contexto atual do Brasil o arroubo de retórica", disse Marco Aurélio, ao ser indagado sobre a declaração de Bolsonaro. "Cabe ao presidente definir a escolha dele, e ele não está preso a qualquer lista (a Constituição não obriga Bolsonaro a escolher obrigatoriamente para a PGR um dos nomes da lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República após votação interna)."
O mandato de Raquel Dodge, que tenta sua recondução por mais dois anos, termina em setembro e Bolsonaro já disse que fará a escolha até a semana que vem. Em entrevista ao Estado, Bolsonaro disse que quer um chefe da PGR que "queira ajudar o Brasil com suas ações" e não "um cara que fique lá só preocupado de forma xiita com questão ambiental ou de minoria".
Quando assumiu o cargo, em 2017, Raquel colocou a defesa do meio ambiente e dos direitos humanos como suas prioridades. Indagado pelo Estadão/Broadcast se Raquel Dodge seria um bom nome para seguir à frente da PGR, Marco Aurélio respondeu: "Sem dúvida alguma. Ela tem meu aplauso pelo cumprimento desses dois anos. Dizem que ela tem fortes trunfos e fortes apoios."
Na avaliação de Marco Aurélio, Raquel Dodge desempenhou um importante papel de "saneamento" da instituição, "ajeitando a parte administrativa, o funcionamento e a atividade" dos procuradores.
Raquel Dodge foi aluna de Marco Aurélio na Universidade de Brasília (UnB) e assessora do ministro quando ele ocupava uma cadeira no Tribunal Superior Trabalho (TST). A procuradora não entrou na disputa para integrar a lista tríplice neste ano, mas já se colocou à disposição do presidente para ser reconduzida ao cargo por mais dois anos.
Parte dos ministros do Supremo faz campanha nos bastidores para influenciar o presidente Jair Bolsonaro a dar um segundo mandato para Raquel. Ao mesmo tempo, o presidente tem intensificado o contato com o subprocurador-geral Augusto Aras, que despontou como um dos cotados para o cargo.
Raquel encerra seu mandato no dia 17 de setembro e é descrita por apoiadores no Supremo e no Congresso como o melhor nome para dar estabilidade institucional, enquanto Aras ganhou pontos com Bolsonaro ao demonstrar alinhamento com a pauta de reformas do governo.
Além do apoio do presidente da Corte, Dias Toffoli, Raquel recebeu uma defesa enfática do vice, Luiz Fux, em audiência na quarta-feira passada. Fux será o próximo presidente do tribunal. Dois dias depois, Aras teve o terceiro encontro no Palácio da Alvorada com Bolsonaro.
Questionado sobre Aras, Marco Aurélio respondeu: "Não sei. Vamos aguardar (a decisão do presidente), ele (Aras) ainda não foi testado aqui (no STF)."