Boatos sobre mudanças na lei eleitoral e Amazônia viralizam nas redes

Projeto Comprova verificou quatro boatos que envolvem os dois temas
JC Online
Publicado em 20/09/2019 às 15:01
Projeto Comprova verificou quatro boatos que envolvem os dois temas Foto: Imagem: Projeto Comprova


A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei que afrouxa as regras eleitorais foi tema de diversas publicações amplamente compartilhadas nas redes sociais. Uma postagem envolvendo o ministro da Economia, Paulo Guedes, e outra que sugere ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) engavetar a proposta foram verificadas pelo Comprova.

Com o maior número de focos de queimadas nos últimos cinco anos, a Amazônia também esteve em publicações de conteúdo enganoso ou falso que viralizaram na internet desde agosto. Não foi diferente esta semana e duas delas foram checadas pelo Comprova.

O projeto é formado por uma coalização de 24 diferentes veículos de comunicação do País, incluindo o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC). Os jornalistas investigam desinformação amplamente compartilhadas nas redes sociais ou em aplicativos de mensagens.

É falso que Paulo Guedes tenha publicado tuíte criticando o Congresso

É falso que Paulo Guedes tenha escrito no Twitter que o Congresso Nacional está enviando o recado “deixe a gente roubar, ou você não governa” a Bolsonaro. O ministro não possui conta oficial em nenhuma rede social. Não há, além disso, registro de que Guedes tenha dito esta frase em qualquer outra ocasião.

Segundo checagem anterior do site Boatos.org, o tuíte viralizado foi publicado em junho por uma conta de simpatizantes do ministro da Economia, atualmente suspensa da rede social. Desde então, uma captura de tela do tuíte, no qual o nome do usuário está incompleto, passou a circular amplamente no Facebook.

Outras imagens de tuítes da mesma conta falsa, @PauloGuedes1234, já haviam sido compartilhadas nas redes sociais e foram desmentidas por diversas agências de checagem. Essas publicações enganosas atribuíam ao ministro da Economia críticas ao jornalista Glenn Greenwald, ao vazamento de conversas da Lava Jato e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

A informação de que Paulo Guedes não tem conta oficial nas redes sociais foi confirmada ao Comprova pelo Ministério da Economia. Em 13 de junho, a pasta já havia publicado no Twitter um alerta com os endereços corretos. Além disso, personalidades públicas do governo têm contas verificadas no Twitter, sinalizadas com um selo azul ao lado do nome do perfil – símbolo que não aparece na captura de tela viralizada.

A captura de tela do suposto tuíte de Guedes voltou a viralizar em 17 de setembro, em meio à votação de um contestado Projeto de Lei que altera diversas regras eleitorais. Entre análises na Câmara e no Senado, o PL 5029/19 (antigo PL 11021/18) passou por múltiplas mudanças e foi duramente criticado por parte da população.

Mudanças na lei eleitoral não valerão para 2020 se Bolsonaro aguardar até o fim do prazo para vetos

Um tuíte que viralizou nas redes sociais sugere a Bolsonaro engavetar o projeto de lei 5029/19 —aprovado nesta quarta-feira, 18 de setembro, pela Câmara dos Deputados— e, no último dia do prazo, vetá-lo totalmente. Dessa forma, segundo a postagem, “Rodrigo Maia não vai ter tempo de derrubar o seu veto e a lei não vai valer na próxima eleição”.

É verdade que, se Bolsonaro esperar até o último dia do prazo para vetar a lei, as regras aprovadas não valerão para as eleições municipais de 2020. Isso ocorreria mesmo se o Congresso (formado por Câmara e Senado) decidisse derrubar o veto, porque, para valer nas eleições municipais do ano que vem, qualquer medida legislativa sobre as regras eleitorais tem de estar em vigor antes de 4 de outubro deste ano.

O prazo para o presidente sancionar ou vetar um projeto de lei, segundo a Constituição Federal, é de 15 dias úteis, contando a data do recebimento do PL pela Presidência. Se o projeto fosse recebido pelo presidente ainda nesta quinta (19), ele teria até o dia 9 de outubro para sancioná-lo, vetá-lo ou vetá-lo parcialmente.

Se o presidente vetar parcialmente a lei, os trechos vetados voltam para análise do Congresso Nacional, que tem então até 30 dias corridos para analisá-los, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Já os trechos sancionados são publicados e viram lei.

Caso os vetos sejam mantidos, a lei fica como saiu da Presidência. Caso sejam derrubados, os trechos antes vetados passam a integrar a lei. Para que o veto do presidente seja rejeitado, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores, computados separadamente.

No entanto, mesmo que Bolsonaro vetasse o projeto com tempo hábil para o Congresso decidir sobre a medida antes do dia 4, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não poderia derrubar o veto sozinho, como indica o tweet verificado. Nem mesmo a própria Câmara poderia sozinha derrubar o veto. Apenas uma sessão conjunta da Câmara e do Senado pode apreciar e deliberar sobre o veto presidencial. Além disso, não caberia Maia convocar uma sessão conjunta. Apenas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pode fazer isso.

Postagem exagera ao creditar apenas a Bolsonaro liberação de 2,6 bi para educação e Amazônia

Uma publicação que viralizou no Facebook afirma de forma enganosa que o governo Jair Bolsonaro (PSL) liberou R$ 1,6 bilhão para a educação e R$ 1 bilhão para a Amazônia. O dinheiro é do chamado fundo da Operação Lava Jato.

A postagem omite, portanto, a origem do dinheiro e que a liberação da verba para essas áreas não depende exclusivamente do presidente. Sem o aval da Procuradoria-Geral da República (PGR), dos presidentes da Câmara e do Senado e a homologação do Supremo Tribunal Federal (STF) – feita no último dia 17 –, a transferência não ocorreria.

O fundo da Lava Jato é uma “poupança” de R$ 2,6 bilhões formada por multas pagas pela Petrobras após as investigações de corrupção na petrolífera. A força-tarefa da operação no Paraná tentou usar o dinheiro para criar uma fundação privada idealizada pelos procuradores, iniciativa que chegou a ser homologada pela 13ª Vara Federal em Curitiba. O dinheiro foi depositado em uma conta judicial em janeiro.

Contrária a essa forma de utilização dos recursos, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, acionou o STF, gerando um atrito com os integrantes da força-tarefa. Em março de 2019, o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão do primeiro acordo – entre a Petrobras e os procuradores do Paraná. Com articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o novo pacto foi firmado em 5 de setembro.

Para esta verificação, o Comprova entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF), o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF). Também analisou os documentos dos acordos que levaram ao depósito do dinheiro na conta judicial e à destinação dos recursos para a Amazônia e a educação, além da movimentação dos dois processos envolvendo o fundo da Lava Jato: ADPF 568 e a Rcl 33667.

É falso que aviões israelenses tenham sido enviados para apagar incêndio na Amazônia brasileira

É falso o texto que acompanhava um vídeo publicado no Facebook e que supostamente mostrava um avião israelense apagando incêndio na Amazônia brasileira, em meio à onda recente de queimadas descontroladas na região. O vídeo, na realidade, foi gravado na Bolívia, no dia 5 de setembro, e mostra o avião Boeing 747 da empresa norte-americana Global SuperTanker.

A postagem afirmava: “Brasil e Israel unidos como nunca antes”. No entanto, Israel não enviou aeronaves ao país para combater incêndios. Segundo o Ministério da Defesa, a ajuda israelense ocorreu pelo envio de bombeiros munidos de equipamentos antichamas. O Chile emprestou ao Brasil aeronaves para cessar o fogo — mas o modelo das aeronaves chilenas, o Air Tractor 802, tampouco coincide com o visto no vídeo.

O vídeo que viralizou foi gravado pela moradora da cidade de Concepción, na Bolívia, María René Céspedes Bazán, com quem o Comprova entrou em contato. Ela estava ajudando a apagar os incêndios em uma propriedade da região, com seu marido e outros voluntários, quando o avião sobrevoou o local.

Para chegar à autoria do vídeo, o Comprova percorreu um longo caminho. Com o uso do Invid, uma ferramenta que busca (por meio de imagens congeladas) postagens que compartilham determinada gravação, o Comprova localizou o mesmo vídeo viralizado em um site holandês, no dia 6 de setembro. Apesar de não parecer ser o registro original, um dos comentários dizia se tratar de um “747 Supertanker”.

A partir daí, foi feita uma pesquisa no Twitter pelos termos “747 Supertanker” e o Comprova chegou a um tuíte de 6 de setembro com o mesmo vídeo viralizado, com legenda que afirmava se tratar de um avião apagando incêndios na Amazônia boliviana. No entanto, a publicação era de um venezuelano e não se tratava do conteúdo original. Assim, porém, foi feita uma pesquisa com a nova posta: “Supertanker Bolivia”.
O registro mais antigo do vídeo é de 5 de setembro, na página “boliviaalalucha” no Instagram em 5 de setembro. Ao entrar em contato com o administrador da página mencionada, o Comprova conversou com duas pessoas até chegar à autora.

Foram cruzadas as informações repassadas por ela com os dados sobre os voos da empresa Global Supertanker na região naquela data e eles eram compatíveis.

A viralização do vídeo do avião que sobrevoou a Bolívia acontece em meio a uma crise de queimadas e incêndios florestais que dura desde o início de agosto na Amazônia. Mais de 75 mil focos de incêndios foram registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de janeiro a agosto de 2019, o maior número em cinco anos. Mais da metade foram encontrados na Amazônia. Uma parte do fogo atingiu também a Amazônia boliviana.

O Comprova tem verificado boatos sobre as queimadas desde o início da crise:

» É falso que vídeo mostra apreensão de diamante gigante retirado da Amazônia por ONG estrangeira
» É falso que Lula tenha vendido solo da Amazônia para empresa norueguesa em documento secreto
» É enganosa publicação que associa, sem evidências, ONGs da Amazônia à exploração de riquezas minerais
» Vídeo em que indígena chora por incêndio é de julho e foi gravado em Minas Gerais e não na Amazônia
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A associação de Israel a ações consideradas positivas para o país não é nova e apareceu em outros boatos produzidos por pessoas e páginas pró-governo. Israel é um dos aliados prioritários na política externa de Bolsonaro. Meses atrás, o governo considerou transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, por exemplo, e anunciou que considerava fechar a embaixada da Palestina em Brasília. Nenhuma medida foi tomada.

Comprova

Todas as verificações do Comprova são publicadas no Blog de Jamildo. Nas checagens que estão na página www.blogdejamildo.com.br/comprova, você pode refazer o caminho das apurações, usando os links para consultar as fontes originais ou visualizar a documentação que reunimos. Na Rádio Jornal, as investigações do Comprova são comentadas no programa Balanço das Notícias.

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