Após a leitura de um voto que durou cerca de quatro horas, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, defendeu nesta quarta-feira, 20, a imposição de limites para a atuação da Receita Federal e do antigo Coaf, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). No caso da Receita, Toffoli avalia que a Receita não pode incluir - sem prévia autorização judicial - a íntegra de extratos bancários ou declaração de imposto de renda contra contribuintes nas chamadas Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP).
Quando há indício de que houve crime, como lavagem de dinheiro ou contrabando, a Receita é obrigada a comunicar o MP. Enquanto a Receita investiga apenas o não pagamento de tributos, cabe ao MP a apuração na esfera penal, que pode levar à prisão dos envolvidos.
Essas comunicações, chamadas Representações Fiscais para Fins Penais, são acompanhadas das provas que embasaram as investigações, como contratos, declarações, documentos com indícios de irregularidades apreendidos durante a investigação, depoimentos, declarações e relatórios de diligências e perícias
Dentro do Ministério Público, há o temor de que as restrições impostas por Toffoli criem mais uma etapa de procedimentos que congestione a Justiça e trave as investigações.
Quanto ao Coaf, o ministro quer proibir a elaboração de relatórios de inteligência financeira (RIFs) "por encomenda" contra cidadãos sem qualquer investigação criminal, o que, na avaliação de fontes ouvidas pela reportagem, pode abrir brecha para anular a investigação sobre a suposta prática de "rachadinha" envolvendo o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, que trabalhou no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro. O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo.
O julgamento foi acompanhado dentro do plenário pelo advogado Frederick Wassef, defensor do filho do presidente da República. Wassef não quis dar declarações à imprensa sobre o julgamento. Nos bastidores, no entanto, a percepção da defesa é que o voto de Toffoli, como um todo, fortalece as decisões judiciais que paralisaram a investigação em torno de Flávio Bolsonaro.
Um dos pontos que Toffoli criticou foi compartilhamento de dados detalhados pedidos por e-mail, o que aconteceu no caso Flávio. Isso reforçaria as decisões do Supremo que paralisaram o caso da rachadinha (prática que consiste na apropriação de parte dos salários dos servidores) no gabinete de Flávio quando deputado estadual da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O caso analisado nesta quarta-feira pelo Supremo gira em torno de um processo de sonegação fiscal envolvendo donos de um posto de gasolina em Americana (SP). A defesa dos empresários acusam a Receita de extrapolar suas funções ao passar dados sigilosos sem aval da Justiça. O processo ganhou repercussão geral, ou seja, o entendimento firmado pelo Supremo deve ser aplicado para outros casos nos diversos tribunais do País.
O longo voto de Toffoli não foi totalmente bem compreendido entre ministros, que levantaram uma série de dúvidas ao final da sessão. "Tem que chamar um professor de javanês", comentou o ministro Luís Roberto Barroso ao final da sessão.
Segundo o Estado apurou, auditores da Receita também estão enfrentando dificuldade para compreender totalmente o voto do presidente do STF.
Auditores estão com dúvidas sobre quais documentos precisarão de autorização judicial para serem anexados nas Representações Fiscais para Fins Penais e até se poderiam mencionar, nessas comunicações, que a Receita dispõe de informações de imposto de renda e extratos bancários considerados suspeitos.