Rayanne Raíza Alves de Oliveira diz muito sobre o Brasil de 2016. Sertaneja de Tabira, filha e neta de agricultores, saiu da zona rural para a cidade fugindo da seca. É mulher, negra e cotista. Será a primeira de uma família, em sua maioria de analfabetos, a ter curso superior. Quando entrou na Universidade Federal de Pernambuco, era, em sua sala, a única aluna cotista do curso de Engenharia Naval. É símbolo de uma geração de jovens que, nos últimos anos, mudou o perfil das universidades públicas do País. Uma geração de brasileiros que, graças a programas sociais, experimentaram uma melhoria na qualidade de vida. Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Ciências sem Fronteiras. “Esses ajustes já vinham acontecendo. O que vamos ver, daqui por diante, é a reformulação de muitos programas para que eles se adequem à difícil realidade econômica. Onde o governo puder reduzir sua participação e aumentar os níveis de contrapartida dos beneficiários, isso será feito”, explica.
Ele dá o exemplo do Programa Minha Casa Minha Vida, criado em 2009 e que já investiu, ao longo dos últimos oito anos, mais de R$ 300 bilhões em moradia popular. O programa tem três faixas de atendimento, que variam de acordo com o rendimento da população. Na faixa 1 estão justamente os brasileiros que recebem até R$ 1.800. Sampaio acredita que, até pelos empregos que o programa gera na área da construção civil, não haverá descontinuidade das ações. Mas a prioridade será dada ao público que possui uma capacidade maior de financiar parte do valor do imóvel. “Acredito que essa migração seja inevitável, para que o programa não fique tão oneroso para os cofres do governo”, observa. Socorro Leite, da ONG Habitat para a Humanidade, que tem assento no Conselho Nacional das Cidades, também acredita que a tendência será incentivar o financiamento como contrapartida para a construção de novas unidades habitacionais do programa. “Quem é mais pobre, no entanto, vai ser penalizado, já que muitos sequer possuem renda formal”, pondera.
A educação é uma das áreas onde o legado social dos 13 anos de governos petistas provocou transformações mais visíveis. A política de cotas, a interiorização das universidades públicas, programas de financiamento para estudantes carentes, criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – todas essas ações ajudaram a melhorar indicadores educacionais, mas também demandaram um volumoso aporte de recursos no orçamento do governo federal. “Temos muito a celebrar. Muitas frentes foram abertas, mas é claro que o cenário econômico mudou e os investimentos agora precisam ser mais estratégicos. Temos que priorizar os programas de maior impacto e com retorno mais eficiente”, afirma Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos pela Educação, que monitora indicadores educacionais e ajuda na formulação de políticas públicas para o setor.
À frente do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos diz que, com dinheiro de menos e demandas demais, o novo governo precisará focar em áreas onde os resultados não acompanharam os altos investimentos feitos. Ele cita, por exemplo, o ensino médio, onde o custo do aluno/ano mais que dobrou (hoje é de R$ 5,5 mil) e os índices de aprendizagem continuam precários. “Eu colocaria toda a energia na melhoria do ensino médio e na ampliação das escolas em regime integral”, avalia. Sobre programas que tiveram recursos reduzidos e até suspensos, como o Ciências sem Fronteiras, Mozart Neves diz que não interromperia essas iniciativas, mas reformularia os programas para que eles apresentassem resultados mais eficientes.
Especialista em políticas de inclusão social, o sociólogo Rafael Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), avalia que o atual governo vai condicionar os cortes à efetividade dos programas. “No caso do Bolsa Família, não vejo margem para grandes mudanças. Os indicadores atrelados ao programa são muito positivos. O que se deve fazer é aperfeiçoar ainda mais os mecanismos de controle”, afirma. O pesquisador do Ipea vai para a ponta do lápis para mostrar que a relação custo-benefício do programa também é muito alta. “São 50 milhões de pessoas atendidas a um custo anual de R$ 30 bilhões. Considerando o impacto na economia dos municípios e os resultados já avaliados, o programa funciona muito bem. É, de acordo com avaliações internacionais, uma das melhores experiências em programas de transferência de renda”, ressalta.