“Os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. (...) Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no L’Expresso, no La Republica e outros jornais e revistas simpatizantes.” O trecho é de um artigo escrito em 2004 pelo juiz federal Sergio Moro que fala sobre como os vazamentos de informação ajudaram a opinião pública a apoiar a operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nos anos 90, que serviu de inspiração à Lava Jato.
A decisão de Moro de dar publicidade aos grampos no telefone do ex-presidente Lula (PT), inclusive áudios em que ele conversa com a presidente Dilma Rousseff (PT) sobre a nomeação para o Ministério da Casa Civil, gerou polêmica nos meios jurídicos. Ao empossar o antecessor, ontem, Dilma fez um discurso duro classificando a divulgação como uma agressão à Constituição. “Os golpes começam assim”, disparou. Ao longo do dia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu três representações pedindo investigações sobre Moro, o principal rosto da Lava Jato.
“Não podemos colocar todas as esperanças do país em um juiz que não é uma liderança política. E nós percebemos aí o tamanho do vácuo de lideranças que nós temos. Porque esse juiz vira um herói nacional e se entrega a uma cruzada que, apesar dos bons propósitos e dos benefícios que a operação vem colhendo para todo o país, nós não podemos desconsiderar os excessos que vêm sendo cometidos”, afirmou o presidente da OAB-PE, Ronnie Duarte, em entrevista à Rádio Jornal.
“Nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente”, escreveu Moro no despacho em que justifica a decisão. O texto cita ainda o caso do ex-presidente americano Richard Nixon, que renunciou em 1974 durante um processo de impeachment por suspeita de obstrução da justiça no escândalo Watergate. Em nota, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) defendeu o magistrado e disse que não aceitaria que se colocasse em dúvida a lisura dos juízes federais brasileiros.
Para o ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti, a versão do governo “é uma bobagem”, porque Moro tinha poder de pedir uma escuta sobre Lula e não precisava manter os áudios em sigilo. “Acho que ele está sendo extremamente prudente sempre. O presidente da República tem o direito ao segredo em suas conversar telefônicas? Não tem em lugar nenhum isso”, argumenta. Ele também diz que um levantamento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou que em 96% dos recursos, as decisões do Sérgio Moro foram mantidas.
Diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz defende que o grampo era legal, mas que ao identificar uma conversa suspeita com a presidente da República, ele deveria ter encaminhado ao ministro do STF Teori Zavascki, responsável pelos inquéritos dos políticos com foro privilegiado. “O que aconteceu com Moro é sempre o risco de atribuir um excesso de poder a alguém. Aos poucos, ele vai assimilando aquilo e começa a cometer alguns excessos. Até a condução coercitiva de Lula, ele estava indo bem. Mas ela foi ilegal. E a divulgação da gravação de Dilma foi ilegal”, disse.