Transitando por fotografia, escultura e música, o multiartista recifense Vicente Lima, 32 anos, conhecido como Iezu Kaeru, cria obras híbridas, como as da exposição Memória da pedra, em cartaz na Torre Malakoff até dia 26. Em conversa com Bárbara Buril, ele fala sobre o alicerces de sua vida artística: música, poesia e rochas.
JC – Como equilibra as artes na criação?
IEZU KAERU – Sou daqueles que acreditam que, quando dá fome, a gente come. Passei um tempo sem escrever poesias e isso me deixou preocupado, mas hoje penso que existem hiatos entre as artes. Não vou mais atrás delas. Busco imitar a natureza e esperar que poesia, música e fotografia se manifestem naturalmente.
JC – Você é mais conhecido por sua trajetória musical, em bandas como Embuás e Pouca Chinfra. A música tem mais poder?
IEZU – Para mim, música é tudo. Ela acessa o nosso ser de forma diferente das outras artes, porque chega sem pedir licença e concessões. No caso da literatura, precisamos procurar um livro e abri-lo. A música, ao contrário, nos domina. Estou apaixonado pela música da vida. As vozes e barulhos espontâneos das pessoas me causam encantamento.
JC – E que sons não espontâneos prefere?
IEZU – Busco ouvir de tudo. Qualquer som pode me envolver, mas, para escutar em casa, escolho John Coltrane, Miles Davis, Beethoven, Chopin... Gosto de jazz e música clássica, de uma forma geral, mas também amo música brasileira.
JC – Por que pedras são protagonistas da sua nova exposição de fotografia?
IEZU – Sempre tive uma relação muito íntima com as pedras, desde pequeno. Quando estava triste, guardava britas no bolsinho de um pijama que usava, na altura do coração. Aos poucos, elas iam me trazendo calma. Além disso, penso que a pedra é o alicerce de tudo. É a base para construir coisas.
JC – Elas teriam alguma relação com o mundo de concreto que vivemos?
IEZU –Com certeza. Elas falam de urbanização e do momento em que vivemos atualmente, que é o de erguer edifícios e construções. Para mim, os artistas devem se posicionar politicamente e acredito que é preciso construir uma cidade pensando no outro. Muitas pessoas já sabem que, se o Recife é plana, é uma boa oportunidade para andar de bike. E é o está acontecendo, as pessoas curtindo o Recife de bicicleta.
JC – Cite um lugar querido na cidade.
IEZU – Aqui no Bairro do Recife, na área que dá acesso ao Parque de Esculturas de Brennand. É um lugar meio místico pra mim. Eu vinha todos os dias de bicicleta pra cá, ver o pôr do sol, até que no dia 31 de dezembro de 1999, último dia do milênio, vi um UFO gigante, de cor vermelho-purpurina. Não tinha ninguém nas ruas. E ele sumiu de repente.
JC – Como a inspiração chega até você?
IEZU – Através do convívio social. Na verdade, tudo o que crio vem da poesia, que é o alicerce das minhas produções, sejam visuais ou musicais, assim como as pedras são das construções. Vida, morte e tempo são temas que me inspiram também. Já viu coisa mais efêmera que as pedras?
JC – Gosta de viajar?
IEZU – Viajo muito, mas sem sair do lugar. Como tenho um lado fortemente arraigado à cidade, não consigo passar muito tempo longe daqui. Sinto logo saudades dos amigos e da família. Minhas raízes estão no Recife.