Não torça o nariz para o bichinho colorido estampado nesta página. Ele pode até nem ser assim tão bonitinho, mas tem a sua graça. Parente distante do camarão e da lagosta, a criatura vive entocada na beira da praia, nas profundezas do mar ou camuflada no manguezal. Além de se movimentar apenas nos bastidores, não se entrega fácil aos seus caçadores. Vai ver por isso o coitado ganhou o apelido de corrupto.
Quem já viu pescadores capturando o Callichirus major na praia sabe que o trabalho não é mole mesmo. É preciso meter uma bomba de sucção na toca onde o crustáceo está escondido e puxar com força. O corrupto entra pelo cano, literalmente, e é jogado no chão misturado com água e areia. Detalhe curioso, o bicho sai vivinho da silva dessa manobra, para virar isca de pesca.
Amarrado no anzol, é um atrativo para tudo quanto é peixe: camurim, carapeba, robalo, pampo e o que mais der bobeira na sua frente. “Quanto mais você tira, mais corrupto aparece. É como se fosse um mistério”, comenta Dalva Albuquerque Pereira, 60 anos, comerciante em Prazeres, no município de Jaboatão dos Guararapes, e caçadora de corrupto nas horas vagas na Praia de Maria Farinha, na cidade de Paulista.
Foi lá que encontramos Dalva e o marido, José Ronaldo Alves Pereira, 48, proprietário de uma loja de material de pesca, capturando os crustáceos. “Olha aquele buraco na areia filho, deve ter um dos grandes ali”, dizia ela, orientando Ronaldo na caçada. Com a maré baixa, cada buraquinho na areia denuncia o esconderijo do animal. Usando a bomba de pressão a vácuo, é tiro e queda.
Mas não é qualquer bombinha que consegue tirar o corrupto do seu esconderijo nas galerias subterrâneas, vai logo avisando Ronaldo. “Bomba de PVC não funciona porque os buracos que eles cavam são profundos e há cascalhos na areia.” Na briga com o PVC, o corrupto quase sempre leva a melhor. Para dar conta do serviço, ele fez uma bomba de inox. Agora, não tem um que escape.
O casal adotou a prática como hobby há quatro meses, apenas. “Minha esposa estava muito nervosa e começamos a pescar, por amadorismo”, revela. Caçar corrupto faz parte da terapia de Dalva. “Não tomo droga, não tomo nada, e fico em paz. A praia é único lugar onde o povo pode pisar nos corruptos. No mundo da política eles são bem mais difíceis de serem capturados”, brinca.
Com as mãos cheias, Dalva vai mostrando os crustáceos e fazendo a sua pescaterapia. “Esse vermelhinho é chamado de PT e o amarelinho, PSB”, diz ela, brincando com as cores dos partidos políticos. “Uma vez, encontrei um grande, gordinho e vermelho. Passou um homem pela praia e gritou: eita, que o senhor pegou Dilma!”, diz Ronaldo, sem segurar o riso.
O corrupto é da mesma ordem dos camarões e lagostas, mas ao contrário dos primos nobres, não costuma ser servido à mesa. Embora não haja impedimentos, garante o biólogo Petrônio Coelho Filho, professor de carcinologia (estudo dos crustáceos) no câmpus de Penedo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “Corrupto se come sim, ele é apenas um camarão diferente, com o abdômen mais molinho”, afirma Petrônio.
Em uma toca, dificilmente haverá mais de um, ensina o professor. O bicho se alimenta de pequenos caranguejos, vermes, microorganismos e detritos e é encontrado no litoral brasileiro, na Austrália, Estados Unidos e África do Sul. “Não existe só um tipo de corrupto, são muitas espécies, mas se não houver controle, a população pode se acabar”, alerta o biólogo.
Dalva e Ronaldo devolvem filhotes e fêmeas ovadas à natureza, para manter o equilíbrio. “É só deixar no chão e eles se enfiam na areia novamente, rapidinho, é tão engraçado”, diz ela. O corrupto não costuma se afastar da sua zona de conforto. “Quando a maré enche, ele chega mais perto da boca da toca, mas não fica longe da galeria dele”, informa Petrônio.
“Se a extinção do corrupto do gênero humano não faz mal nenhum, o mesmo não se pode dizer do crustáceo. O extermínio desses animais provocaria um impacto ambiental, uma quebra no elo do ecossistema. Nisso, eles são bastante diferentes”, compara o professor.