Após a segunda guerra mundial, o psiquiatra britânico John Bowlby formulou uma teoria sobre a necessidade que as crianças têm nos primeiros meses de vida de possuir uma pessoa que sirva de porto seguro, para que ela possa explorar o mundo com segurança, conhecendo suas possibilidades e seus limites. Isso influencia no desenvolvimento dela.
Bowlby a chamou de "Teoria do Apego". Hoje, essa ideia pode ser ampliada para diversos outros momentos da vida. Em um novo emprego, por exemplo, é normal apegar-se a alguém, um colega, para não cometer deslizes e poder explorar as possibilidades do novo ambiente de trabalho.
O problema é apegar-se a alguém que não reflete os valores do ambiente ou, pior, que não tem força nenhuma para servir de apoio.
Bolsonaro, ao assumir o cargo de presidente, fez isso apoiando-se em seus apoiadores. Em um mundo tão novo e aparentemente hostil, buscar alguma segurança era necessário. Tudo isso é natural.
O que, hoje, impressiona é que ele e seu círculo íntimo tenham calculado tão mal o poder e o tamanho desse porto seguro, ao ponto de largar o partido pelo qual o grupo se elegeu, como se fosse muito simples criar nova sigla e "tratorar o mundo” político.
Sair do PSL foi um erro crucial. Foi uma ação de isolamento político que somente alguém muito mal orientado teria tomado. Foi o caso.
O PSL tinha a maior bancada da Câmara. Já o Aliança pelo Brasil não vai ficar apto para a próxima eleição municipal e nem todo mundo acredita mais que estará pronto para a eleição de 2022. Já se fala em Bolsonaro indo para o PTB e tem bolsonarista falando em voltar para o PSL.
Fato é que das 492 mil assinaturas necessárias, o Aliança pelo Brasil teve validadas, até agora, cerca de 15 mil. Isso dá 3% do esperado e o partido já foi lançado há 7 meses. Outro problema é que as brigas dos bolsonaristas com o Judiciário não ajudam.
Em média, o TSE demora três anos e meio para aprovar um partido e liberá-lo pra eleição. É preciso contar com muita boa vontade dos ministros do Tribunal para acelerar esse processo.
Alguns dos ministros do TSE, inclusive o presidente, são também ministros do STF, com quem os bolsonaristas entraram em guerra nos últimos meses. Esperar boa vontade deles é uma tremenda ingenuidade.
Sem contar com facilidades, mas apenas com a lei, o prazo normal médio de três anos e meio não é suficiente, porque o partido precisa estar liberado no mínimo seis meses antes de qualquer eleição.
Já não seria possível, por exemplo, nem para 2022.
Outro complicador é que todas as assinaturas coletadas só valem por, no máximo, dois anos. Significa que processo de coleta teria que ser reiniciado no fim de 2021. Se, até lá, o partido não estiver criado ainda, será necessário voltar às ruas para buscar novas assinaturas e esperar, de novo, a validação da Justiça.
Não por acaso, Bolsonaro já acenou com uma bandeira branca para o PSL e Roberto Jefferson começou a trabalhar tentando levar o presidente para o seu PTB. O convite foi feito formalmente, mas não houve resposta ainda.
A ingenuidade bolsonarista de achar que podia depender da Justiça enquanto chamava os membros do Judiciário de "bandidos", chega a ser engraçada.
Fora isso, o presidente se apegou a uma ideia de que ainda tinha 57 milhões de votos e que poderia fazer o que quisesse com esse porto seguro.
Descobriu que não tem e que não pode.