O centrão criou uma armadilha que somente ele próprio consegue desarmar. O conceito é parecido com o de um sequestro, no qual você toma a liberdade de algo que só você pode devolver. Não de graça, claro.
No orçamento de 2023 não havia dinheiro para boa parte das coisas que foram prometidas na eleição, nem por Bolsonaro (PL) e nem por Lula (PT). Enquanto o Auxílio Brasil (ou Bolsa Família) estava sendo pago com o valor de R$ 600 e o valor seguia sendo prometido pelos candidatos, os deputados e senadores articularam um orçamento com previsão de R$ 400 para esse pagamento. Quem ganhasse teria que negociar um aumento com o centrão se quisesse cumprir suas promessas.
A mudança na Lei das Estatais que os deputados entregaram ao presidente eleito nesta terça-feira (13) e que garantirá a nomeação de Aloizio Mercadante (PT) no BNDES, como quer o petista, é mais um elemento dessa negociação de resgate. É como se os sequestradores enviassem um pedaço da orelha do sequestrado, provando que estão com a vítima e que podem resolver o problema dependendo do resgate pago.
Acontece que, além de Mercadante, Lula pretende indicar o senador Jean Paul Prates (PT) para a Petrobras e já estava orientando o futuro Advogado Geral da União, Jorge Messias, a preparar uma Medida Provisória que modificasse o texto legal. A Lei das Estatais colocava uma quarentena de 36 meses para que um alguém assumisse um cargo numa empresa controlada pela União se essa pessoa tivesse passado pela direção de um partido político.
O centrão se adiantou, mandou fazer um texto modificando a lei e Arthur Lira (PP) o pautou imediatamente, sendo aprovado. Com isso, Lira avisou a Lula que faz o que quiser na Câmara e pode dar a ele o que ele quiser do Congresso, mas que terá um preço.
A demonstração de poder de Lira com essa votação (314 votos dos 513) é um recado de que a vida de Lula no governo será tranquila, desde que ele entregue o que o centrão quiser. É um tipo de extorsão.
Para começo de conversa, Lira e seus companheiros querem que o “orçamento secreto” continue como está, com pouca transparência, para garantir a irrigação das lavouras eleitorais dos deputados. Além disso, Lira quer empenho de Lula em sua reeleição à presidência da Câmara. Quer mais e já fez circular que gostaria de ter o ministério da Saúde para indicar alguém.
Pelo andar do bonde, Lira terá o que quiser até a PEC da Transição, furando o teto, ser aprovada. Por enquanto.
A polícia costuma não recomendar o pagamento da vítima em casos de extorsão, porque incentiva o autor do delito a continuar repetindo tudo depois.
Mas a impressão hoje é de que a cena é toda combinada entre Lula e Lira. O petista se diz surpreso e o presidente da Câmara se mostra esperto. Os dois ganham.
Problema é que o centrão não vai parar por aí, as exigências vão continuar e o aperto que Lula passou para ser eleito, com uma vantagem pequena, o colocam numa situação bem difícil para o futuro. Ele terá força para encerrar a parceria quando já estiver completamente comprometido?
Bom para o centrão e para Lula, pior para o Brasil, como já estávamos acostumados.