Sobre as catástrofes que só são catástrofes quando não é com Lula. Com Lula é "marolinha"

Confira a coluna Cena Política desta quinta-feira (15)
Igor Maciel
Publicado em 15/12/2022 às 0:01
Lula e Bolsonaro. O furacão é o mesmo, mas com um é "catástrofe" e com o outro é "marolinha" Foto: NELSON ALMEIDA / AFP


Mais do que garantir a nomeação de Aloizio Mercadante no BNDES, a mudança na Lei das Estatais feita para facilitar a vida de Lula (PT) é a realização do maior desejo de Bolsonaro (PL) nos últimos meses.

Para quem não lembra, a lei é o motivo pelo qual o presidente não conseguiu transformar a Petrobras em puxadinho do centrão. É também o motivo pelo qual Bolsonaro não conseguiu interferir nas decisões da empresa e não conseguiu trocar presidentes quando eles defendiam os interesses da estatal e não os dele próprio, declaradamente eleitoreiros.

Bolsonaro tentou, encomendou uma Medida Provisória para atropelar o obstáculo, mas não conseguiu porque estava em fim de mandato, não tinha garantia de vitória e não podia fazer bobagem, sendo irresponsável com a gestão e as contas da empresa.

Se tivesse possibilidade teria feito as modificações? Com certeza. Mas, a lei impediu.

Agora, o “favor” que Arthur Lira (PP) fez a Lula garante a nomeação de quem o petista quiser, principalmente dos nomes que o próprio Arthur Lira deseja indicar para as empresas, onde corre muito dinheiro, muito mesmo.

Mas, sejamos francos, quando políticos derrubam uma lei feita para blindar empresas públicas das interferências não republicanas deles próprios, os políticos, sabemos que não tem como dar certo. É como se um pastor alemão fosse o responsável pela corrente na grade que o impede de morder alguém. Alguém vai se machucar.

Não foi por acaso que as ações da Petrobras chegaram a cair quase 8% no dia seguinte à mudança na Lei que foi, praticamente, ferida de morte. Outras empresas em que a União é majoritária também tiveram quedas.

Todo mundo sabe que o prejuízo será grande quando a política invadir essas empresas novamente. O que já é uma realidade concreta.

Da última vez, a corrupção quase quebrou a Petrobras.

Mas o incrível é a reação de todos (ou a falta dela). Quando Bolsonaro propôs a Medida Provisória para modificar a lei, no meio do ano, foi como se tivesse dito que ia "vender o Amazonas para um extraterrestre". Todo mundo achou “absurdo”, houve gritaria e confusão como se o mundo fosse acabar e o senso de realidade tivesse sumido por um ralo.

Agora, há um quase constrangimento silencioso. De repente, passou a ser algo “normal”, “esperado”. Tem gente até elogiando. Incrível, realmente incrível. Com Bolsonaro era "catástrofe". Com Lula deve ser "marolinha".

É como voltar no tempo e descobrir, absurdo por absurdo nesse quase início de governo Lula, como foi que o Brasil ficou tão revoltado naquela época ao ponto de eleger Bolsonaro.

A armadilha do centrão

O centrão criou uma armadilha que somente ele próprio consegue desarmar. O conceito é parecido com o de um sequestro, no qual você toma a liberdade de algo que só você pode devolver. Não de graça, claro.

No orçamento de 2023 não havia dinheiro para boa parte das coisas que foram prometidas na eleição, nem por Bolsonaro (PL) e nem por Lula (PT). Enquanto o Auxílio Brasil (ou Bolsa Família) estava sendo pago com o valor de R$ 600 e o valor seguia sendo prometido pelos candidatos, os deputados e senadores articularam um orçamento com previsão de R$ 400 para esse pagamento. Quem ganhasse teria que negociar um aumento com o centrão se quisesse cumprir suas promessas.

A mudança na Lei das Estatais que os deputados entregaram ao presidente eleito nesta terça-feira (13) e que garantirá a nomeação de Aloizio Mercadante (PT) no BNDES, como quer o petista, é mais um elemento dessa negociação de resgate. É como se os sequestradores enviassem um pedaço da orelha do sequestrado, provando que estão com a vítima e que podem resolver o problema dependendo do resgate pago.

Acontece que, além de Mercadante, Lula pretende indicar o senador Jean Paul Prates (PT) para a Petrobras e já estava orientando o futuro Advogado Geral da União, Jorge Messias, a preparar uma Medida Provisória que modificasse o texto legal. A Lei das Estatais colocava uma quarentena de 36 meses para que um alguém assumisse um cargo numa empresa controlada pela União se essa pessoa tivesse passado pela direção de um partido político.

O centrão se adiantou, mandou fazer um texto modificando a lei e Arthur Lira (PP) o pautou imediatamente, sendo aprovado. Com isso, Lira avisou a Lula que faz o que quiser na Câmara e pode dar a ele o que ele quiser do Congresso, mas que terá um preço.

A demonstração de poder de Lira com essa votação (314 votos dos 513) é um recado de que a vida de Lula no governo será tranquila, desde que ele entregue o que o centrão quiser. É um tipo de extorsão.

Para começo de conversa, Lira e seus companheiros querem que o “orçamento secreto” continue como está, com pouca transparência, para garantir a irrigação das lavouras eleitorais dos deputados. Além disso, Lira quer empenho de Lula em sua reeleição à presidência da Câmara. Quer mais e já fez circular que gostaria de ter o ministério da Saúde para indicar alguém.

Pelo andar do bonde, Lira terá o que quiser até a PEC da Transição, furando o teto, ser aprovada. Por enquanto.

A polícia costuma não recomendar o pagamento da vítima em casos de extorsão, porque incentiva o autor do delito a continuar repetindo tudo depois.

Mas a impressão hoje é de que a cena é toda combinada entre Lula e Lira. O petista se diz surpreso e o presidente da Câmara se mostra esperto. Os dois ganham.

Problema é que o centrão não vai parar por aí, as exigências vão continuar e o aperto que Lula passou para ser eleito, com uma vantagem pequena, o colocam numa situação bem difícil para o futuro. Ele terá força para encerrar a parceria quando já estiver completamente comprometido?

Bom para o centrão e para Lula, pior para o Brasil, como já estávamos acostumados.

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