Não existe vácuo na política. Todo espaço é ocupado, para o bem e para o mal. Importante entender essa premissa, porque ela tem se tornado a base sobre a qual foram construídas todas as tragicomédias políticas da atualidade. O governo Bolsonaro é uma delas, Donald Trump é outra. A situação da Argentina é uma tragicomédia, um tango mambembe. Portugal pode passar por isso em breve.
Credibilidade
Em todos os casos, há elementos de corrupção, impotência ou incompetência política, gerando descrédito popular, crise de representatividade e abandono público da consciência coletiva. É uma dificuldade fazer com que as pessoas acreditem que a política é necessária para melhorar a vida da população, soa absurdo para a maior parte da população em todos esses países com tendência ao ambiente tragicômico.
E quando a política perde a credibilidade, o risco de rupturas democráticas cresce.
Desesperança
Na Argentina, o primeiro turno da eleição deste ano teve 40% de abstenção. Quatro em cada dez eleitores argentinos preferiram ficar em casa do que ir decidir o futuro do país. A tendência é que essa abstenção seja ainda mais expressiva na “segunda vuelta”, como é chamada a nova rodada de votações.
O país tem quase 150% de inflação anual, pessoas morando nas ruas, pobreza extrema aumentando, mas quase metade da população nem vai votar, porque não acredita que a política vá resolver isso.
Um incompetente…
Não dá pra condenar o povo argentino por esse desinteresse. Eles estão tendo que escolher entre o atual ministro da Fazenda (que não consegue melhorar a economia) e um sujeito meio maluco (para dizer o mínimo), que defende um ultraliberalismo próximo da anarquia, em que as pessoas poderiam vender os próprios órgãos, por exemplo.
…e um maluco
Milei, o ultraliberal, é conhecido por conversar com um cachorro que já morreu para pedir conselhos políticos e decide em quem confiar de acordo com o tarot, interpretado pela irmã que também é seu braço direito. Milei seria apenas um personagem ridículo, um imbecil passageiro, se o mundo estivesse preenchido por gestores responsáveis, corretos e competentes.
Mas não está.
Cretinice
Outros imbecis pelo mundo, com ideias que são navios de cretinice num mar de ignorância, só são possíveis num ambiente em que os justos, sóbrios, competentes e honestos se aposentaram.
Milei cresceu na esteira da incompetência e da corrupção kirchnerista. A atual vice-presidente candidatou-se para não ser presa. Há suspeitas, contra Cristina Kirchner, até de homicídio, após a morte de um procurador que acusou ela de acobertar os envolvidos num atentado em 1994.
Portugal
O “Chega!”, partido da extrema direita portuguesa, pode chegar ao poder nas próximas semanas. E isso, se acontecer, será por causa da dissolução do gabinete do último primeiro-ministro, por corrupção. O PS (Partido Socialista) de Portugal não conseguiu melhorar a vida da população e ainda se viu envolvido em escândalos recentemente.
Aí, a ultradireita cresceu. É um grupo nacionalista, com viés xenófobo que está crescendo por lá e ocupando esses espaços de incompetência pública e descompromisso com o bem coletivo.
Borrão
No Brasil, o governo Bolsonaro foi o resultado da corrupção do PT e da incompetência de Dilma Rousseff.
Estivéssemos repletos de competentes gestores e políticos minimamente honestos, Bolsonaro continuaria a ser a figura caricata que sempre foi, um borrão de agente público, desencontrado do poder de interferir no futuro de um país.
Mas o descrédito gerado pela cretinice dos atores políticos das últimas duas décadas construiu o ambiente perfeito para que o caricato fosse transformado em opção plausível.
Ambição e covardia
Os gestores e agentes públicos das últimas duas décadas pariram Bolsonaro e estão parindo novos elementos estranhos à democracia e ao senso de bem coletivo em todo o mundo ocidental. Não admira que, no mar de ignorância e platitudes que é comum em tempos de redes sociais, haja gente que defende o mal como “necessário” e limita o bem ao que é “ingênuo”.
Isso é um sintoma de desesperança política. E desesperança é uma doença, resultado de maus hábitos públicos.
Sempre que alguém inadequado chega ao poder, é porque os adequados estão se escondendo, seja por ambição ou por covardia.