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Cena Política

Por Igor Maciel
Cena Política

O paradoxo das reformas no Brasil e o rato parindo um elefante

Confira a coluna Cena Política deste domingo (3)

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Igor Maciel

Publicado em 02/03/2024 às 20:00
Brasília (DF) 05/10/2023  Congresso Nacional realiza sessão solene para comemorar os 35 anos da Constituição brasileira, promulgada em 1988. Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Brasília (DF) 05/10/2023 Congresso Nacional realiza sessão solene para comemorar os 35 anos da Constituição brasileira, promulgada em 1988. Foto Lula Marques/ Agência Brasil - Lula Marques/ Agência Brasil

Uma sociedade que tem o desejo de evoluir precisa evitar revoluções. Toda revolução pressupõe um retorno aos pontos de partida, para reiniciar processos com novas diretrizes. É a receita do atraso. Mas também não é possível viver estático, porque o marasmo provoca revoluções. Eis aí a base para a necessidade constante de reformas. Uma sociedade precisa de reformas periódicas, bem planejadas e executadas. E eis, também, o maior desafio do Brasil.

Quem não quer mudar

Somos uma sociedade com dificuldades para implementar reformas, porque somos uma sociedade com privilégios setoriais. Toda reforma acaba, de uma forma ou de outra, mexendo com a estabilidade de determinados grupos e acabamos nunca avançando. Ao mesmo tempo, um sistema político com reeleição, como o que temos, faz com que nenhum presidente, governador ou prefeito queira implementar os remédios amargos necessários das reformas, com medo de não conseguirem a reeleição. Terminamos perdendo, todos.

Rato parindo elefante

As últimas reformas que conseguiram se dizer concluídas saíram como se estivéssemos vendo um rato parir um elefante, tamanha foi a dificuldade técnica e política. Foi assim na reforma da Previdência, na Trabalhista e na do Ensino Médio. Está sendo assim com a reforma Tributária. E todas essas foram mal feitas ou são questionadas até hoje. Todas estão ameaçadas depois de estarem prontas e nenhuma foi feita com todos os elementos necessários para desenvolver realmente o país.

Cálculo errado

No caso da Previdência, já há um cálculo desse governo mostrando que a conta feita no governo anterior estava errada. Uma nova reforma já precisa ser feita no setor que, quando teve sua proposta aprovada em 2019, dizia-se que se tornaria sustentável por no mínimo mais 10 anos. Menos de 5 anos depois e já se fala em colapso previdenciário outra vez. Anos para fazer a reforma e, quando fazem, calculam errado. Na época, é bom lembrar, toda a esquerda reclamava que a reforma estava sendo dura demais com os aposentados e que o problema era Bolsonaro ser o presidente. Para conseguir aprovar, foi necessário fazer várias concessões, que tornaram ela mais branda. Claro que não deu certo.

Trabalhista

Com a reforma Trabalhista aconteceu algo parecido. Era o governo Temer (MDB) e isso também foi um problema. A reforma só foi aprovada depois de muita briga com sindicatos e, mais uma vez, com a oposição, que dizia que o desemprego iria aumentar. Havia até quem falasse em “volta à escravidão”. Na verdade, como a proposta cortava o rendimento dos sindicatos, obrigava os trabalhadores a darem dinheiro para esses grupos que sempre foram muito mais representativos de partidos políticos do que das categorias, toda oposição possível foi feita. Para aprovar, muitas concessões foram feitas. Na época, Temer ainda pensava em ser candidato à reeleição, então cedeu. E, assim, os resultados foram menores do que o esperado.

Educação

A reforma do Ensino Médio é outra. Foi aprovada, as escolas começaram a se organizar para as mudanças, mas as associações de professores e sindicatos não concordou, porque existe uma tendência a dinamizar o ensino num sentido em que os alunos vão poder escolher as áreas nas quais querem focar. É a tendência em vários países e a realidade de muitos que já tiveram sucesso em suas reformas educacionais. Aqui, os sindicatos também querem barrar e aproveitam o governo Lula, agora, para tentar anular a reforma.

Simples complicado

Agora, com a reforma Tributária, conseguiu-se aprovar um texto que, inicialmente, tinha o objetivo de simplificar a cobrança de impostos para reduzir a carga sobre o contribuinte sem que o governo perdesse arrecadação. Na prática, do que foi aprovado, não há garantia de que o brasileiro vai pagar menos impostos (na verdade é o contrário), o sistema vai ficar mais complicado por ao menos 10 anos até que possamos ver alguma simplificação e para cobrar os novos impostos o governo vai ter que montar uma estrutura do tamanho de um ministério. No fim, aumentou o custo, complicou a assimilação dos processos e burocratizou a cobrança. Deu tudo errado.

Excesso de ingerência

Ou quase todos os nossos políticos e os nossos técnicos da área são extremamente burros e incompetentes (o que não parece ser o caso), ou o formato de nosso sistema de reformas está nos empurrando ao precipício das más decisões por outros motivos. E a impressão é que não tem nada a ver com dificuldade de cognição, mas com o excesso de interferência dos governos, dos partidos e de setores da sociedade organizada nessas mudanças. As chantagens políticas e eleitorais também acabam sendo essenciais nesses insucessos.

Paradoxo

O paradoxo do qual não conseguimos nos livrar é que as reformas são essenciais para a manutenção da Democracia. Mas a Democracia acaba atrapalhando a execução das reformas, porque grupos de pressão com interesses em não ver o seu status mudando sempre vão atuar sobre os gestores e legisladores, inclusive com ameaças às suas reeleições. Só se pode sair desse paradoxo diminuindo o impacto dessa pressão, para que os legisladores e gestores tenham mais liberdade na hora de votar e implementar reformas.

Reforma política

Já falamos aqui sobre o fim da reeleição, isso ajuda. Mas, está na hora de começar a pensar numa Reforma Política mais ampla. Mudar completamente o sistema eleitoral, político e a governança do país. Mudar a maneira como os parlamentares se relacionam com os grupos de pressão que lhes arranjam votos. Não há como escapar do paradoxo Reformas x Democracia sem mexer profundamente na relação que a política tem com a sociedade organizada. É difícil de imaginar que isso vá acontecer tão cedo, tão fácil. Mas, se fosse fácil já teria acontecido.

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